segunda-feira, maio 16, 2005

9 de Novembro de _ _ _ _

Hoje só queria voar...
Fugir para longe... longe até de mim.
Perder-me no espaço... eu e o azul... Só e apenas eu e o azul.
“— Quatro elementos, o quinto é Cristo, o sexto o nada, e o nada é o tudo e tudo é Deus.” — revelou-me ele ontem ao telemóvel às tantas da matina.
Conversa de esquizofrénicos... “— Como é que um “esquizo” pode ganhar tanta massa como eu?” — gozou. — “Que me chamem “esquizo” à vontade...” — permitiu por entre uma das suas típicas gargalhadas sarcásticas.
Hoje só queria voar... desintegrar-me no cosmos... virar partícula, pó.
Estou “crucificada” por uma cruz orbicular que vi um dia brilhar num peito... que fez o meu saltar a galope, como se quisesse definitivamente arrancar-se de mim.
A camisa branca, os botões de punho vermelhos, o pescoço inclinado a segurar a conversa que o prende horas a fio a um universo que desconheço, mas a que me comecei a habituar, os óculos de tartaruga a sublinharem a expressão carregada das sobrancelhas e o escuro dos olhos. Foi assim que me abriu a porta do quarto naquele dia... de boxers pretos, Versace, a “desarmar-me”... estávamos em Março, talvez. Depois o banho... as minhas mãos nas suas costas a medo, porque ele estava com os seus raciocínios e quando assim é não sobra espaço para mais ninguém, as minhas mãos em concha a mergulharem na banheira, a deixarem escorrer lentamente as gotas em forma de carícias e depois mais determinadas em tom de massagem. Estávamos em Março, mas hoje esse dia esteve tão presente que o sinto ainda. Depois mergulhou entre os lençóis, exausto, a televisão ligada a creditar informação em flashes consecutivos no quarto escurecido pelo cansaço e pela beleza da intimidade. “— Não estás muito vestida, rapariga?” — perguntou quando me requisitou para o seu lado, na cama, e eu respondi estendendo os braços para deixar que me roubasse a camisola de malha de seda de gola alta, e me envolvesse nos seus.
Estávamos em Março e ontem em Novembro e a voz dele do outro lado da linha a entrar-me pelo corpo adentro como naquele dia, ao ouvir: “Ainda te vou comer... Ainda te vou voltar a comer...” Que cruel é a paixão que nos devora e nos faz querer ser devorados até à exaustão!
Estávamos em Março hoje em Novembro e as palavras soam diferentes, mas o corpo reage igual, igualzinho, àquela voz, àquela "cruz", que um dia vi brilhar num peito, que beijei até me perder, que beijei para me perder...