sábado, novembro 05, 2005

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Ele costumava despedir-se dela com um beijo. Um beijo fraternal, na testa, de uma protecção extrema que nunca lhe dera. Depois, entrava no carro, geralmente um topo de gama da Volvo ou da Mercedes, dava ordens a um motorista com ar de realizador de cinema − mas com nome de taxista − e desaparecia, na estrada, a toda a velocidade. Nunca olhava para trás, ao contrário dela que ficava ali, parada, a prolongar aquele momento, doloroso, atenta a um aceno que nunca viera.
E só voltava a saber dele horas depois − isto de inicio, que mais tarde, eram já dias −, de banho tomado, roupa mudada, despojado de vestígios dela, de partículas do seu amor, de gotas do seu suor.
Ela, por seu lado, deixava-se ficar física e mentalmente com ele, materializando a sua presença no cheiro que ele deixara na sua roupa e na sua pele, guardando religiosamente as camisolas e as calcinhas, por lavar, adiando o banho, prolongando aquele estado de alienação e de suspensão do mundo e da sua felicidade até um próximo encontro que nunca sabia quando voltaria acontecer.

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[continua]

© Sofia Bragança Buchholz