quarta-feira, janeiro 25, 2006

O fenómeno

Daquilo que aconteceu no Aldebarã naquela tarde, não há memória anterior. Nem os misteriosos bilhetes anónimos, nem a ameaça da presença de um tal Erre Manesse, nem Milena brincando com o bilboquê de James Joyce... nada, nadinha teve impacto igual àquilo que se passou, naquela dia, no Aldebarã.
A tarde corria prazenteira com James Joyce e Virgínia Woolf jogando uma partida de poker, Paulinho Assunção assistindo, e o inspector Quaresma, passeando, para cá e para lá, embevecido, de mãos dadas com mais uma moça que todos desconheciam. Fernando Pessoa, depois da insubordinação de Quaresma, havia-se refugiado na Montanha Mágica de Thomas Mann e, agora, ainda de ego ferido e minguado, mas, significativamente, mais calmo, descansava sobre o ventre de Cida La Lamp, que deitada numa espreguiçadeira, discutia as novas tendências literárias com Camões e Mann. Estes entregavam-se a divagações sobre os benefícios da literatura light, muito mais saudável antes de dormir, assegurava Camões, ao contrário dos clássicos, mais pesados e difíceis de digerir a essa hora do dia. Thomas Mann defendia, ainda, os escritores novos, porque são encantadores, dizia, tão cheios de talentos e graça, defendia afincadamente. Hemingway veio juntar-se ao grupo, adepto das novas escritoras, gabando Margarida Rebelo Pinto, - que estilo, meu Deus!, exclamava - , a inteligência de Inês Pedrosa e o humor de Sofia Bragança Buchholz.
A certa altura todos pararam. Cristalizaram no que estavam a fazer ou dizer, concentrando-se no que se passava, mais parecendo que jogavam a um jogo de crianças. Virgínia Woolf com os dados prontos para efectuarem a trajectória até à flanela da mesa; Quaresma com os lábios colados à pele macia do pescoço da moça desconhecida; Mann de dedo em riste na direcção de Camões… e assim por diante, todos petrificados, como estátuas, antigas. Até a nuvem que passava em frente ao sol nesse instante, parece ter paralisado, de tão escuro que se pôs o dia, de tão frio que se tornou o vento que, soprando cada vez mais forte, anunciava um violento e assustador fenómeno. [Continua] [
SBB]

Nota: O Bar Aldebarã é um projecto e ideia única e exclusivamente da autoria e responsabilidade dos escritores Manuel Jorge Marmelo e Paulinho Assunção, sobre o qual eu, com o conhecimento e consentimento dos autores, volta e meia, divago.