quinta-feira, maio 25, 2006

O Escaldão

Não fui capaz de o fazer. Quando o ia atirar pela janela fora, fui dar com o grilo a ressonar baixinho, enrolado numa folhinha de alface. Coitadinho, tão pequenino, tão riquinho que estava! Fitou-me ensonado, abanou as anteninhas em forma de piscar de olho e continuou a dormir consoladamente, inocente às minhas malévolas intenções. Visualizei-o de boxers, pernas descontraidamente afastadas, o sexo flácido a espreitar por entre elas... Enterneceu-me. Despertou o sentimento de fêmea, de mãe, de eterna protectora que há em mim. Deu-me uma moleza… tão grande, mas tão grande que me afectou o coração. E depois ele moveu-se, uma espécie de aconchego, que me soou a um abraço, daqueles pela cintura que nos arrastam com eles e nos fazem tombar embriagados com o seu calor, hipnotizados com o som compassado da sua respiração na nossa nuca. E tombei.
Acordei duas horas depois, na espreguiçadeira da varanda, já o sol da tarde ia alto, com um grande escaldão. Eu sabia que ceder não ia dar bom resultado!
E o grilo? Esse continuava lá, são e salvo, fresquíssimo, sob a folha de alface.