O meu Grilo morreu
O meu Grilo morreu.
Chorei-lhe a morte na madrugada em que fui dar com ele imóvel, silencioso e lhe toquei com um dedo para o fazer mover-se. Não se moveu. Arrepiei-me ao percebe-lo sem vida. Tive nojo. Sempre tive nojo da morte. Nunca soube lidar com ela. Nem com a perda, ou com a despedida. Por mais que os anos me concedam o treino e a experiência da vivência destes sentimentos não os encaro com naturalidade e sinto-os com a mesma, forte e inexperiente, intensidade da primeira vez. Talvez tenha um trauma de infância, não sei. Não é lá, afinal, onde vamos buscar todas as (des)culpas para as nossas incapacidades? Talvez as partidas para o estrangeiro da minha mãe com o meu irmão às portas da morte me tenham ficado gravadas no subconsciente. Não sei. Na altura ninguém o diria, tal era o conforto emocional − e a família numerosa − com que me deixavam.
A despedida sufoca-me. A perda angustia-me. Deixam-me com as pernas bambas e o estômago emaranhado, incapaz de suportar qualquer sustento para a minha sobrevivência. Recordo-me de um dia, em criança, ter brincado com a minha irmã e uma amiga aos náufragos: o sofá da sala era o barco onde elas, felizardas, conseguiram flutuar rumo a terra; a tijoleira, o mar alto onde a corrente me arrastou para longe. Ainda hoje me lembro, como se as tivesse ouvido agora, as palavras que me gritaram de despedida: A-D-E-U-S… e acenaram. Escusado será dizer que me tiveram de levar a casa em braços, lavada em lágrimas. A partir daí bani essa palavra do meu vocabulário: para mim existirá sempre e apenas um “até já”.
Mas, dizia eu, o meu grilo morreu e só hoje, depois de um velório negligente, contingência de véspera de partida para férias, fui capaz de tratar das exéquias. Enterrei-o no jardim de casa da minha irmã onde um dia equacionei soltá-lo em vida. Talvez tivesse sido mais feliz, talvez tivesse vivido mais tempo… talvez tivesse sido comido por um predador… ou não. Sei apenas que lhe sinto a falta, mesmo sendo apenas um insecto, e que são as coisas, assim, insignificantes que, dia após dia, acabam por marcar esse relevante facto que é a nossa vida.
[Escrito a 15.07.06]
Chorei-lhe a morte na madrugada em que fui dar com ele imóvel, silencioso e lhe toquei com um dedo para o fazer mover-se. Não se moveu. Arrepiei-me ao percebe-lo sem vida. Tive nojo. Sempre tive nojo da morte. Nunca soube lidar com ela. Nem com a perda, ou com a despedida. Por mais que os anos me concedam o treino e a experiência da vivência destes sentimentos não os encaro com naturalidade e sinto-os com a mesma, forte e inexperiente, intensidade da primeira vez. Talvez tenha um trauma de infância, não sei. Não é lá, afinal, onde vamos buscar todas as (des)culpas para as nossas incapacidades? Talvez as partidas para o estrangeiro da minha mãe com o meu irmão às portas da morte me tenham ficado gravadas no subconsciente. Não sei. Na altura ninguém o diria, tal era o conforto emocional − e a família numerosa − com que me deixavam.
A despedida sufoca-me. A perda angustia-me. Deixam-me com as pernas bambas e o estômago emaranhado, incapaz de suportar qualquer sustento para a minha sobrevivência. Recordo-me de um dia, em criança, ter brincado com a minha irmã e uma amiga aos náufragos: o sofá da sala era o barco onde elas, felizardas, conseguiram flutuar rumo a terra; a tijoleira, o mar alto onde a corrente me arrastou para longe. Ainda hoje me lembro, como se as tivesse ouvido agora, as palavras que me gritaram de despedida: A-D-E-U-S… e acenaram. Escusado será dizer que me tiveram de levar a casa em braços, lavada em lágrimas. A partir daí bani essa palavra do meu vocabulário: para mim existirá sempre e apenas um “até já”.
Mas, dizia eu, o meu grilo morreu e só hoje, depois de um velório negligente, contingência de véspera de partida para férias, fui capaz de tratar das exéquias. Enterrei-o no jardim de casa da minha irmã onde um dia equacionei soltá-lo em vida. Talvez tivesse sido mais feliz, talvez tivesse vivido mais tempo… talvez tivesse sido comido por um predador… ou não. Sei apenas que lhe sinto a falta, mesmo sendo apenas um insecto, e que são as coisas, assim, insignificantes que, dia após dia, acabam por marcar esse relevante facto que é a nossa vida.
[Escrito a 15.07.06]
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