quinta-feira, julho 09, 2009

Ensaio sobre a sorte

Saio para comprar pão na mercearia da esquina. Depois, atravesso a rua para o jardim do Passeio Alegre e entro no Chalé Suíço para jogar no Totoloto e no Euromilhões. Acredito veementemente que um destes dias, um deles me saíra. Porém, quando vou para preenchê-los, ocorre-me sempre a dúvida, perante tantas possibilidades de conjugações.
Regresso a casa pela marginal. Debruço-me, e espreito as grandes pedras que separam o rio do muro. Lá em baixo, correm, felizes, ratos, ao entardecer. Ratos cinzentos, feios, de grandes caudas e portadores de doenças. Imagino serem uma família. As crias brincam. Saltitam de pedra em pedra, divertidas, para logo se esgueirarem por entre elas num jogo de esconde-esconde, infantil. Uma ratazana gorda, de pêlo opaco e gasto, vagueia por ali. Adivinho-a a mãe. Tiro do saco um pão e faço-lho chegar em pequenos pedacinhos. Os filhos assustam-se e fogem; ela, experiente, sem medo, fareja na sua direcção. Os infantes imitam-na. Repito o gesto vezes sem conta, e fico ali, entretida, a observá-los até me fartar de os ver regozijarem-se com o maná que lhes envio do céu.
Continuo caminho. Penso nos roedores. Era inimaginável aqueles seres nojentos terem alguém que lhes desse de comer. “Saiu-lhes a sorte grande”, deixo escapar em voz baixa. E sorrio optimista. Afinal, pode ser que Deus, ou lá que entidade é que dá sorte ao jogo, se queira divertir comigo também.