sábado, fevereiro 05, 2011

O Sentido da Vida

Finalmente, aconteceu o inevitável, aquilo que Lunata sabia que mais tarde ou mais cedo acabaria por suceder: Pato Preto deu entrada no hospital. Estava velhinho, Pato Preto, e Lunata tentava com toda a sua fé ludibriar o destino e adiar a ideia deste desfecho, mas o destino não se deixa enganar e o que tem de ser tem muita força.
Nessa tarde, Lunata foi dar com o amigo deitado numa cama impessoal, prostrado, oscilando entre a vigília e o sono, entre a lucidez e a demência. Vê-lo assim fê-la consciencializar-se de que, ao contrário do que muitas vezes nos querem fazer acreditar, não há dignidade, sapiência, beleza na velhice. Pegou-lhe na pata, mais sarapintada do que nunca pelo tempo, acariciou-lhe os nódulos das artroses, as rugas do tempo, beijou-as com ternura. Desejou poder levá-lo para o seu mundo da lua, o mundo de faz de conta onde os seres são eternos, como ela, onde não existem doenças, onde a morte não entra. Mesmo velhinho, pensou, Pato Preto era tão bonito!, o bico arrebitado, perfeitinho… Continuava vaidoso: pediu-lhe que lhe ajeitasse a gravata branca que lhe desce sobre o papo, que lhe alisasse as penas. Ela fê-lo com carinho. Ele fechou os olhos, profundos como todo tempo que já percorrera, vagos, como o tempo que ainda lhe restava e chamou-lhe “mãe”. “Mãezinha”. Ela comoveu-se. Aquela inversão de papéis rebentou-lhe o coração, despedaçou-a. Ele, o forte, que sempre fora um pai para ela, a menina, a frágil. Para essa inversão, não estava preparada. Ela que precisava ainda tanto dele! Desatou num pranto por dentro. Respondeu-lhe que era a sua “filha”, a sua “filhinha”.
Pensou revoltada: onde estaria, agora, Demiurgo que lhe jurara amor, na alegria e na tristeza? Onde estava a esperança que nos prometem na infância? A felicidade em que nos fazem tanto acreditar? Depois resignou-se. Pensou que a vida é uma longa caminhada, uma complexa aprendizagem, um caminho tortuoso que nos faz crescer e que no fim deve − tem de! − ter um qualquer propósito.

Etiquetas:

2 Comments:

Anonymous sunny said...

Amei.
Obrigada pelo texto.

11:56 da tarde  
Blogger Sofia Bragança Buchholz said...

:-))

10:23 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home