Uma Espécie de Redoma
Como toda a gente, tinha segredos que a ninguém confessava. Havia um, porém, que numa espécie de superstição, guardava com especial cuidado, não fosse a revelação afastar os seus efeitos mágicos.
Quando o caos se instalava, e o mundo ameaçava desabar, pegava no carro e conduzia, invariavelmente, rumo a um lugar secreto. No leitor de CD`s a música acalmava-lhe a angustia e a brisa, nos cabelos, relativizava-lhe os problemas. O sol, mesmo quando não brilhava, iluminava-lhe as ideias e a humidade − vinda do mar − refrescava-lhe as emoções.
Chegada ao local estacionava, mesmo ali, perpendicular ao oceano, e ficava a ver o voo picado das gaivotas e a invejar a sua leveza. Via-as planar, aproveitando a força do vento, num bailado dessincronizado, mas perfeito. Via-as fintar a gravidade, numa descolagem arrojada e engana-la, numa aterragem elegante. E ficava, ali, no meio delas − tantas! − num exercício sobrenatural de criatividade, a elevar-se com elas no ar e a cortar o céu com a mesma veloz graciosidade.
Depois, fechava os olhos e sentia a espuma bravia do mar salpicar-lhe as pernas, as mãos, o rosto, … penetrar-lhe os lábios − Ahhh! − num intenso orgasmo, salgado. Sentia o vento encaracolar-lhe os cabelos e sussurrar-lhe ininteligíveis segredos ao ouvido; e o cheiro da maresia invadir-lhe, violentamente, as narinas, seguir-lhe até ao cérebro e arrancar-lhe a imaginação para alto mar, sem rumo e sem fim, numa viajem alucinante de sentidos.
Depois, abria novamente os olhos e deitava-se na areia. Mergulhava, então, por ela adentro, numa movediça excursão ao centro da Terra, ao seu calor, ao seu âmago, ao seu sentido de ser…
E, sem resposta, acordava − já calma e humana − no carro que a trouxera, e que estacionara, ali mesmo, perpendicular ao oceano, uma espécie de redoma metálica onde, temporariamente, todo o mal tinha solução e todo o caos era ordem.
© Sofia Bragança Buchholz, 2006. Reprodução Interdita
Quando o caos se instalava, e o mundo ameaçava desabar, pegava no carro e conduzia, invariavelmente, rumo a um lugar secreto. No leitor de CD`s a música acalmava-lhe a angustia e a brisa, nos cabelos, relativizava-lhe os problemas. O sol, mesmo quando não brilhava, iluminava-lhe as ideias e a humidade − vinda do mar − refrescava-lhe as emoções.
Chegada ao local estacionava, mesmo ali, perpendicular ao oceano, e ficava a ver o voo picado das gaivotas e a invejar a sua leveza. Via-as planar, aproveitando a força do vento, num bailado dessincronizado, mas perfeito. Via-as fintar a gravidade, numa descolagem arrojada e engana-la, numa aterragem elegante. E ficava, ali, no meio delas − tantas! − num exercício sobrenatural de criatividade, a elevar-se com elas no ar e a cortar o céu com a mesma veloz graciosidade.
Depois, fechava os olhos e sentia a espuma bravia do mar salpicar-lhe as pernas, as mãos, o rosto, … penetrar-lhe os lábios − Ahhh! − num intenso orgasmo, salgado. Sentia o vento encaracolar-lhe os cabelos e sussurrar-lhe ininteligíveis segredos ao ouvido; e o cheiro da maresia invadir-lhe, violentamente, as narinas, seguir-lhe até ao cérebro e arrancar-lhe a imaginação para alto mar, sem rumo e sem fim, numa viajem alucinante de sentidos.
Depois, abria novamente os olhos e deitava-se na areia. Mergulhava, então, por ela adentro, numa movediça excursão ao centro da Terra, ao seu calor, ao seu âmago, ao seu sentido de ser…
E, sem resposta, acordava − já calma e humana − no carro que a trouxera, e que estacionara, ali mesmo, perpendicular ao oceano, uma espécie de redoma metálica onde, temporariamente, todo o mal tinha solução e todo o caos era ordem.
© Sofia Bragança Buchholz, 2006. Reprodução Interdita
Etiquetas: crónica
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