É deixá-las passar!
Ela, sentindo-se fervilhar naquele turbilhão de sentimentos, naquela confusão de pensamentos, de emoções, resolveu fazer a coisa mais improvável para quem procura a razão como conselheira: telefonar à grande paixão da sua vida.
Ele, atendeu-a, com a voz mais bonita que alguma vez conhecera a um homem, aquela mesma que a prendera, muito antes de o conhecer fisicamente, muito antes de o ver, de conhecer o seu toque, o seu cheiro.
Depois dos cumprimentos iniciais, ela atirou sem grandes rodeios:
− Sinto-me na merda!
Não gostavam de asneiras mas ambos não se privavam de as utilizar quando só elas pareciam expressar na perfeição o que queria ser dito. Vezes sem conta haviam admitido que o amor não era difícil, não era tramado, não era complicado, o amor, esse só podia mesmo ser fodido!
Ele quis saber:
− Física ou emocionalmente?
Ela confessou com a voz embargada:
− Emocionalmente.
Há uns anos atrás, aquele seria o momento de ele mudar de assunto, começar a falar do tempo, dos CD`s que lhe tinham oferecido ou de outra coisa qualquer e, em última instância, se se sentisse muito encurralado, sem saber o que fazer com todo aquele tremelicar de voz, com aquele beicinho feminino, bater em retirada, justificando-se com trabalho.
Contudo, passados todos aqueles anos, solidarizando-se com ela, ironizou:
− Oh pá, esse é o meu departamento! Disso posso falar com experiência de causa! − E adivinhou-se-lhe o esboço de um sorriso empático.
Ela perguntou-lhe:
− Quais são os meus maiores defeitos?
Ele disse-lhe que a resposta não era simples. “É que, às vezes, os maiores defeitos são também as melhores virtudes”, afirmou sabiamente. Depois, elucidou com um exemplo: “Estás a ver quando uma mulher nos chateia?” Ela anuiu do outro lado da linha, sem contudo o verbalizar “sim, se estava!”, e ele concluiu: "É que isso aborrece-nos, mas a verdade é que ela é tão importante para nós que queremos ser chateados!”
Aquela figura de estilo, rude e tosca, masculina, arrancou-lhe um sorriso enorme, pois era assim que ela se sentia, a maior chata, e era assim que se queria sentida: ser amada por isso. Por gostar ao ponto de querer ter − e dar − atenção, afecto, amor, exclusividade.
− E as minhas maiores qualidades? − Continuou.
Ele não hesitou na resposta:
− Já nem vou falar na tua beleza e inteligência porque isso é óbvio. Tens princípios, és talentosa, tens um fantástico sentido de humor o que é fundamental numa pessoa, e tens essa coisa maravilhosa, tão tua, que é andares sempre à procura de ti, andares sempre em busca de algo mais e que faz de ti uma eterna descontente. Neste processo erras apenas numa coisa: em quereres pôr sempre os ponteiros à frente, no relógio, antevendo um final menos positivo.
Ela sabia que tinha esse defeito, tinha consciência disso, mas a experiência dizia-lhe que não existiam finais felizes.
Ele falou-lhe ainda da possibilidade de nunca ser tarde para recomeçar vidas novas, dos anos que ela ainda tinha pela frente e das capacidades que tinha para mudar o futuro que, naquele momento, lhe poderia, subjectivamente, parecer menos risonho.
E, no fim, disse-lhe aquilo que ambos sabiam que não era verdade, aquilo que ambos sabiam que nunca iria acontecer, porque, como num rio que corre e passa várias vezes no mesmo lugar nunca são as mesmas as águas que por ele passam, também todas as paixões têm o seu timming, todas as decisões nos relacionamentos têm o seu tempo certo.
− Vais ver, ainda nos vamos divertir imenso, os dois!
Ela ficou em silêncio, não respondeu.
Despediram-se cordialmente, ele agradecendo ela ter ligado; ela, ele a ter ouvido. Depois riram-se deste formalismo e desligaram, prometendo como sempre faziam − às vezes até com anos de intervalo pelo meio − voltar a falar-se em breve.
Ela sentou-se na borda da cama, olhando o telemóvel, já bastante mais calma. Lembrou-se que o seu amor por aquele homem a havia, um dia, num acto tresloucado de desespero, de tentativa vã de fazer sobrepor a dor física à insuportável dor emocional, levado a arrancar, com força, um punhado de cabelo. Sorriu ao constatar o absurdo que esse episódio, agora, lhe parecia. Sorriu ao tomar consciência que a paixão é efémera e que por ela não vale a pena sofrer pois não passa de um conjunto destrambelhado de reacções químicas, obsessivo-compulsivas, que o nosso corpo produz. Levantou-se, vestiu o casaco e saiu para a rua. É deixá-las passar!
Ele, atendeu-a, com a voz mais bonita que alguma vez conhecera a um homem, aquela mesma que a prendera, muito antes de o conhecer fisicamente, muito antes de o ver, de conhecer o seu toque, o seu cheiro.
Depois dos cumprimentos iniciais, ela atirou sem grandes rodeios:
− Sinto-me na merda!
Não gostavam de asneiras mas ambos não se privavam de as utilizar quando só elas pareciam expressar na perfeição o que queria ser dito. Vezes sem conta haviam admitido que o amor não era difícil, não era tramado, não era complicado, o amor, esse só podia mesmo ser fodido!
Ele quis saber:
− Física ou emocionalmente?
Ela confessou com a voz embargada:
− Emocionalmente.
Há uns anos atrás, aquele seria o momento de ele mudar de assunto, começar a falar do tempo, dos CD`s que lhe tinham oferecido ou de outra coisa qualquer e, em última instância, se se sentisse muito encurralado, sem saber o que fazer com todo aquele tremelicar de voz, com aquele beicinho feminino, bater em retirada, justificando-se com trabalho.
Contudo, passados todos aqueles anos, solidarizando-se com ela, ironizou:
− Oh pá, esse é o meu departamento! Disso posso falar com experiência de causa! − E adivinhou-se-lhe o esboço de um sorriso empático.
Ela perguntou-lhe:
− Quais são os meus maiores defeitos?
Ele disse-lhe que a resposta não era simples. “É que, às vezes, os maiores defeitos são também as melhores virtudes”, afirmou sabiamente. Depois, elucidou com um exemplo: “Estás a ver quando uma mulher nos chateia?” Ela anuiu do outro lado da linha, sem contudo o verbalizar “sim, se estava!”, e ele concluiu: "É que isso aborrece-nos, mas a verdade é que ela é tão importante para nós que queremos ser chateados!”
Aquela figura de estilo, rude e tosca, masculina, arrancou-lhe um sorriso enorme, pois era assim que ela se sentia, a maior chata, e era assim que se queria sentida: ser amada por isso. Por gostar ao ponto de querer ter − e dar − atenção, afecto, amor, exclusividade.
− E as minhas maiores qualidades? − Continuou.
Ele não hesitou na resposta:
− Já nem vou falar na tua beleza e inteligência porque isso é óbvio. Tens princípios, és talentosa, tens um fantástico sentido de humor o que é fundamental numa pessoa, e tens essa coisa maravilhosa, tão tua, que é andares sempre à procura de ti, andares sempre em busca de algo mais e que faz de ti uma eterna descontente. Neste processo erras apenas numa coisa: em quereres pôr sempre os ponteiros à frente, no relógio, antevendo um final menos positivo.
Ela sabia que tinha esse defeito, tinha consciência disso, mas a experiência dizia-lhe que não existiam finais felizes.
Ele falou-lhe ainda da possibilidade de nunca ser tarde para recomeçar vidas novas, dos anos que ela ainda tinha pela frente e das capacidades que tinha para mudar o futuro que, naquele momento, lhe poderia, subjectivamente, parecer menos risonho.
E, no fim, disse-lhe aquilo que ambos sabiam que não era verdade, aquilo que ambos sabiam que nunca iria acontecer, porque, como num rio que corre e passa várias vezes no mesmo lugar nunca são as mesmas as águas que por ele passam, também todas as paixões têm o seu timming, todas as decisões nos relacionamentos têm o seu tempo certo.
− Vais ver, ainda nos vamos divertir imenso, os dois!
Ela ficou em silêncio, não respondeu.
Despediram-se cordialmente, ele agradecendo ela ter ligado; ela, ele a ter ouvido. Depois riram-se deste formalismo e desligaram, prometendo como sempre faziam − às vezes até com anos de intervalo pelo meio − voltar a falar-se em breve.
Ela sentou-se na borda da cama, olhando o telemóvel, já bastante mais calma. Lembrou-se que o seu amor por aquele homem a havia, um dia, num acto tresloucado de desespero, de tentativa vã de fazer sobrepor a dor física à insuportável dor emocional, levado a arrancar, com força, um punhado de cabelo. Sorriu ao constatar o absurdo que esse episódio, agora, lhe parecia. Sorriu ao tomar consciência que a paixão é efémera e que por ela não vale a pena sofrer pois não passa de um conjunto destrambelhado de reacções químicas, obsessivo-compulsivas, que o nosso corpo produz. Levantou-se, vestiu o casaco e saiu para a rua. É deixá-las passar!
Etiquetas: Meu Amor
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