terça-feira, novembro 02, 2010

O Vendedor de Sonhos

És um verme, daqueles pequeninos, sem coluna vertebral. Sem palavra, rastejas à minha volta deixando um rasto viscoso, nojento, incomodativo que, dedicadamente, eu limpo com o meu amor incondicional por ti. Sem coragem, enrolas-te sobre ti próprio, qual bicho-de-conta, ao primeiro toque que te é desconfortável. Eu protejo-to, maternal, com as mãos em concha, como se de uma pérola rara te tratasses, recebo-te no meu seio, no meu leito. Deixo-te viver nos meus cabelos, na minha púbis, na minha pele, qual parasita. Suporto estoicamente o prurido que me provocas, aguento as pápulas feias, vermelhas, enormes que me ferras na epiderme. Às vezes, chego a coçar-me até sangrar, mas tu não percebes, porque escolho a área onde não estás naquele momento: se te perdes entre as minhas coxas, esgadanho a cara, a cabeça, o pescoço; se te focas nos meus olhos, arranco a carne do corpo, deixo os ossos à vista, expostos à minha dor. Nada me alivia a não ser as tuas palavras: esse verbo redondo, floreado, repleto de mesuras e salamaleques como o dos charlatães, unguento milagroso que deixas cair sobre mim com a perícia de um experiente vendedor da banha da cobra.

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