domingo, março 13, 2005

Um dia no Posto Médico

Ontem gramei a pastilha de passar o dia inteiro no posto médico. Entre bocejos e olhares furtivos à televisão, lá fui matando as horas que naquele lugar se assemelham, mais do que deviam, às pilhas Duracell.
Pode parecer arrogante, mas quando me desloco a este tipo de locais entro como que numa espécie de coma social: a minha comunicação com a restante população da sala de espera limita-se a um simples “boa tarde”, pois a experiência ensinou-me que se for além disso corro o risco de passar o dia a ouvir falar de varizes e reumatismos, frieiras e esgotamentos – deles e dos restantes familiares – e de outras tantas maleitas cujos nomes fariam qualquer perito na especialidade rebolar a rir e que em nós provocam uma gargalhada contida. E isto tudo num sotaque e num volume sonoro capaz de ferir qualquer tímpano menos susceptível.
A certa altura, despertou-me do meu transe social uma voz grossa e desempoeirada vinda de um espécimen gordo e andrógeno e dei comigo de orelha levantada, qual cão perdigueiro, à caça da história que entretinha a sala. Ao que parece a mãe, pequenina e aí de uns sessenta anos a aparentarem oitenta, tinha gripe e o filho, grande e balofo, funcionário da Câmara Municipal, saíra mais cedo do emprego para a acompanhar à consulta. E todos se deleitavam com a sorte daquela progenitora em ter dado à luz um rapaz tão carinhoso e prestável, capaz de fazer tanta companhia. O quadro em si era delicioso, fazia lembrar aquela velhinha do “Viva o Gordo”, que tinha o Jô Soares como filho e que dizia constantemente por entre abraços e beijinhos: “pensá qui saí di dêntro dêla?!”. Até aqui tudo bem, a confusão começou apenas a instalar-se quando o dito rapaz se começa a queixar do tempo e a dizer que este o deixa triste e cansada. Os ouvidos da velhota zarolha, à minha frente, continuavam a traí-la e a perguntar ao filho da outra se ele tinha namorada. E os da senhora dos óculos de varejeira não deviam querer estar a acreditar e insistiam em trata-lo no masculino do singular. Foi preciso a mãe pequenina, e no alto da sua voz engripada, pôr-se em bicos de pés e dizer que não, que a filha não era um filho, e que o matulão ali à nossa frente se chamava Susana. E não foi à primeira que a Zarolha quis perceber, mas lá acabou por ceder, e culpar a trombose, que a fazia ver tão mal, e até tirou os óculos e tudo, para mostrar a “bistinha” que a levara ao engano. A Varejeira era mais expedita e ficou calada a digerir a notícia, a pensar lá para com ela que o mundo anda todo ao contrário e a jurar a si mesma que aquela Susana teria, no mínimo, um micro pénis.
E foi, então, a vez da velhinha ser atendida. Despediram as senhoras por entre pedidos de
desculpas pela confusão, às quais a Susana respondeu com um “não faz mal” marialva e entrou, com andar gingão, atrás da mãe, no consultório com cada um dos seus braços roliços – mas musculados – à volta do pescoço de uma enfermeira.

(9/03/2005)