Um facto é que, a cada dia que passa, me afeiçoo mais ao meu grilo. O seu temperamento inicial repentino, as suas indecisões e desaparecimento inesperado, assustaram-me, mas a verdade é que temos tido dias felizes, e, afinal de contas, não é isso o que todos nós procuramos?
Divertimo-nos especialmente no momento das refeições que passamos juntos na cozinha e em que eu, esganadinha de fome, farejo o frigorifico à procura de comida de considerável sustento, ougando por um suculento leitão, um bife macio de lombo, ou uma bela feijoada preta, e ele se ri de mim, da minha gula, satisfazendo-se com um prato, sem graça, de salada, sem molhos nem nada, tudo cru e insosso, ou com uma mísera peça de fruta. Não entendo, mas respeito. Talvez lhe faça bem à linha, talvez tenha imensas vitaminas, talvez a fruta lhe forneça a água de que necessita… não sei, não faço ideia, mas eu é que sem carne não passo!
E gosto de o ouvir cantar. Sempre fui boa ouvinte e, então, quando o interlocutor me é querido tem em mim a melhor receptora do mundo! Ficamos horas assim, ele a cantar, a cantar, e eu deliciada a ouvi-lo. Volta e meia até brinco com ele, mas isso só quando a música me parece repetitiva, e pergunto-lhe em tom de gozo: terá Alzheimer, o meu grilo, que tantas vezes se repete? Ele ri-se ou, pelo menos, assim me parece vê-lo fazer.
Ah!, mas os melhores momentos de todos, os meus preferidos, os de eleição são aqueles em que me deito ao seu lado e a sua simples presença me soa a conforto, a relaxamento, a prazer e se reflecte em mim como uma massagem dedicada e eficaz, com mãos sábias de mestre, tacteando-me a cervical, percorrendo-me doridas vértebras dorsais, desfazendo nós lombares imaginários… tão bem, mas tão bem me sabe, que acabo por me render, adormecendo profundamente e ronronando deliciada.
Mas antevejo dor e sofrimento e, por isso, o meu coração teme. É que os grilos são como os amores de Verão: partem com o fim da estação. E quando o meu partir… ah, aí… eu nem quero pensar!