terça-feira, outubro 31, 2006

Uma questão de solidariedade

Ainda junto do estábulo de Millstreet, um velho nojento, de feições flácidas e bigode asqueroso, dirige-se a ele com uma intimidade repugnante, a mesma com que deve falar com a fêmea que, todos os dias, lhe limpa o chão da casa, lhe põe a comida no prato e a quem ele furtivamente apalpa o rabo, enquanto executa as tarefas:
− Anda cá, meu safado, há bocado fugiste-me! Anda cá!
E tenta acariciar os flancos de Millstreet que se esquiva, aflito, como provavelmente faz a "esposa", não vá ele, também, lembrar-se de a montar.
E puxando-lhe o focinho, ameaça lascivamente, fitando-o nos olhos:
− Seu safado! Para a próxima dou-te um beijo na boca! Seu safado! − E repete, enquanto se afasta com outros amigos caquécticos: − Um beijo na boca, ouviste?!
Eu e um rapaz com um miúdo ao colo presenciamos tudo aquilo em silêncio. Depois, volto-me para Millstreet e solidária, exclamo, em alto e bom som, indiferente a quem quer que possa ouvir:
− Irra, amigo, do que tu te safaste!


© Foto e texto: Sofia Bragança Buchholz

Sobre criatividade

" A razão é a inteligência em acção;
a imaginação é a inteligência em erecção"

segunda-feira, outubro 30, 2006

Percebes, agora, porque é que eu não me importo de ter asas?

Na foto: Gisele Bündchen

Pequenas Maldades/ Grandes Verdades

Personagens:
• Eu
• Millstreet
• Senhora gorda
• Miúdo anafado

Cena:
Uma senhora gorda, com um miúdo anafado, de cores rosadas, a fazerem lembrar dois dos três porquinhos, aproximam-se do estábulo de Millstreet no Parque da Cidade.
Entusiasmada, a senhora exclama com sotaque acentuado do Porto:

Acção:
− Ai, que lindo cabalinho! Já biste, Paulinho, que bonito, cabalinho?!
O miúdo anafado, desconfiado, aproxima-se a medo de Millstreet, que o fita com ar de desdém. A mãe obesa insiste:
, Paulinho, põe-te ao pé dele para eu tirar uma fotografia. Que lindo! Ai, que lindo, como se chama o cabalinho?
O miúdo, receoso, vai-se chegando uns milímetros para Millstreet que, por sua vez, com repulsa, se afasta uns bons centímetros.
Eu informo, com indiferença:
− Millstreet.
Ela, babosa, de sorriso de orelha a orelha, inquire novamente:
− A sinhora é a treinadora, é?
Eu, lacónica, respondo, vendo com um certo gozo o sorriso dela dissipar-se:
− Não. Somos amigos.

domingo, outubro 29, 2006

Deveres de amigo

© Sofia Bragança Buchholz

E foi assim, nesta condição humilhante, que foi, hoje, Lunata, encontrar
Paquito, no Parque.
Cruzando-se, ao longe, os seus olhares, tacitamente ela desviou o dela, discretamente, fingindo não o ver, para o privar da vergonha.

Reabertura do Bar Aldebarã

Ao que parece, o vil, o danado, o malfeitor Pausânias Girassol não se contentou, apenas, com o desdém do entusiasmo alheio, com o desprezo da felicidade geral e do estado de graça que reinava pelo Aldebarã. E tinham propósito as gargalhadas fininhas, estridentes, de Mefistófeles que incomodaram hoje, a meio da tarde, os habitués do nosso bar. Propósito mau, ruim, mesquinho, diga-se. Quem o descobriu foi Demiurgo que, devido ao treino intensivo com namoradas que, chegado aos quarenta, parece querer coleccionar, se tornou especialista. Notou-lhes, aos lábios de Paulinho Assunção, de Manuel Jorge Marmelo e de Lucas Baldus, após o ósculo, um inchaço invulgar, uma vermelhidão arroxeada, uma secura, quase imperceptível mas inconfundível para um perito na arte de beijar. Analisou-os também em Machado de Assis, em Kafka, em Gregório de Matos e concluiu, douto na matéria, que não eram sinais de ardor ou desejo, o que denunciavam aqueles beiços. Intuitivo, correu a investigar o necessaire onde a misteriosa donzela do véu guardava as pinturas com que, beijo após beijo, retocava os carnudos e apetecíveis lábios. E encontrou. No vermelho e sedutor baton com que ela se alindava, vestígios − muito ténues, mas ainda assim maléficos − de Dieffenbachia picta Schott ou, ironia das ironias, a vulgarmente chamada, planta Comigo-ninguém-pode. [SBB]

Eles estão de volta com o Bar Aldebarã e eu, como já ia sendo hábito, não resisti a meter o bedelho, com o texto acima.


Nota: O Bar Aldebarã é um projecto e ideia única e exclusivamente da autoria e responsabilidade dos escritores Manuel Jorge Marmelo e Paulinho Assunção, sobre o qual eu, com o conhecimento e consentimento dos autores, volta e meia, divago.

sexta-feira, outubro 27, 2006

Percebes, agora, porque é que eu não me importo de ter asas?



Gisele Bundchen Dream Angels fragrance

quinta-feira, outubro 26, 2006

Postal de Düss El Dwarf a Papo-Seco

Amesterdão, 26 de Outubro de 2006

Papo-Seco, pá, como estás, meu bacano?

Obrigado por me teres enviado a
Maria das anjas. Sim, das anjas e não dos anjos que esses ficam a chuchar no dedo que ela é minha! (eh eh eh)
A Eterna, sempre com a mania da poesia e das metáforas, queria chamar-lhe Uriel. Em homenagem ao arcanjo do arrependimento, ou lá o que é. Eu sugeri Ariel ou Nata do Céu. Ela zangou-se. Chamou-me porco, tarado que só penso em sexo e que isto não é nenhum lupanar. Eu ainda argumentei que branco mais branco não há e que a pequena é um doce de rapariga. Mas qual quê?! Atirou-me, que as anjas são um símbolo da perfeição, que são arte, que representam o belo e que não são nenhumas prostitutas! Epá, Papo-Seco, injusta a tipa, que eu até concordo com tudo o que disse, de tão perfeitinhas que elas são. Ou com quase tudo.
Mas pronto, agora, a
anja já está em casa e é o que interessa.
E por falar nelas, isto aqui
em Amesterdão é um paraíso! Tens de vir, Papo-Seco. Tira o próximo fim-de-semana e anima-te que já falta pouco, porque depois de Amanhã é Sábado…

Um abraço

Düss El Dwarf


Foto: aqui

quarta-feira, outubro 25, 2006

A Verdade

Hoje, não me apetece ser benevolente ou poética, apetece-me ser cruel. Como tu.
Apetece-me chamar as coisas pelos nomes, sem encobrimentos ou disfarces, sem atenuantes ou desculpas. És uma fraude! Falhaste em todas as tuas promessas. Lograste-me em todas as expectativas. Prometeste mundos e fundos, insinuaste grandezas e nobres feitos, lealdade e bom coração, não cumpriste nem uma.
Antes, porém, aproveitaste-te do meu amor, das minhas emoções, e da minha [boa] fé em ti para me manipulares a teu bel-prazer e me extorquires os sentimentos até à medula, ao ponto de querer morrer por ti, tão sem nada me quedei, de tão sem sentido ter ficado a minha vida.
Não sei, não entendo, Meu Amor, porque te lamento, ainda [assim], a partida.

terça-feira, outubro 24, 2006

Percebes, agora, porque é que eu não me importo de ter asas?

Na foto: Ana Beatriz Barros

Influências Meteorológicas

Pedimos desculpa pelo tornado publicitário que afectou temporariamente este blog.
A emissão segue − normalmente − dentro de momentos. Com anjas, como redenção, está claro!

segunda-feira, outubro 23, 2006

Carta, nunca enviada, de Lunata a Demiurgo

Sabes, Demiurgo,

Hoje estive no Parque. Resolvi, assim, de repente, descer à Terra e visitar aqueles de quem a minha [nova] vida me apartou.
Está tudo muito mudado, ou assim me pareceu. Refiro-me à paisagem. As chuvas fizeram crescer a erva e os caminhos são agora mais densos, menos trilhados, requerendo largos passos, quase saltos, para os percorrer.
Quando me viram, os patos, vieram receber-me a correr, quack, quack, quack, balançando desconchavadamente o peso do corpo numa e noutra pata, alternadamente, naquela sua tão curiosa e cómica forma de andar. Fizeram-me uma festa! Uns disseram que estava mais magra. Outros que estava mais gorda. Outros que estava igual. Outros, ainda, que não estava nada igual, mas não sabiam definir, e falavam todos ao mesmo tempo, entusiasmados, eufóricos, atropelando as vozes uns dos outros, pegando-se, na divergência de opinião, reclamando a minha atenção, quack, quack quack, que os patos são assim, como sabes, têm tanto de amoroso como de caturrice.
O Pato Preto e a Senhora Pata também lá estavam, mais comedidos nos comportamentos e exclamações. Agradeceram muito a lembrança que lhes levei, um pão comprado de improviso numa confeitaria, ali, da zona, enquanto os outros, coitados, a gabavam, a namoravam, a cobiçavam, de água no bico que até tive pena de não ter levado para eles também.
...
No prado, montado por um cavaleiro que desconheço, vi Millstreet, cavalgando. Acenei-lhe ao longe e fui ver Paquito, já recolhido na cavalariça. Recebeu-me com um sorriso enorme, um relinchar de contente, as dentolas todas à vista, gigantes, o lábio superior arrebitado, retorcido! E que bonito que estava − parece que por lá passou o cabeleireiro − com a crina toda entrançada, em trancinhas pequeninas, muitas, a fazer lembrar um penteado africano!
Ibéria, a égua, também aparara as repas, certinhas, como as minhas. Ainda nos rimos com isso e nos pusemos a comparar: iguaizinhas que estamos! Não fossem as dela serem brancas como o marfim e as minhas − naquele dia − negras como o ébano, ainda diriam que éramos irmãs. E, com a ideia, desatamos a gargalhar que é assim que se passam os dias, felizes, descontraídos, entre amigos.
Saí, já o sol caíra no mar e todos seguido as suas vidas: o Pato Preto, Senhora Pata, Jovem Cisne e todos os patos dormiam aninhados, na erva, ao pé dos lagos; a Dona Gatita, vira-a entrar para casa do dono, na urbanização rural; Millstreet, Ibéria e Paco refastelavam-se, agora, com um repasto de feno nos seus respectivos estábulos.
E, sabes, Demiurgo, entristeceu-me, confesso-te, deu-me um sentimento miudinho, solitário e de abandono − tontices de menina, eu sei! − constatar que apesar de toda amizade, de todo o carinho e afecto, a vida deles continua e faz sentido sem mim.
E, como a deles, a tua, Demiurgo.

Um beijo daquela que sempre te quererá,

Lunata

© Sofia Bragança Buchholz, 2006. Reprodução interdita.

domingo, outubro 22, 2006

Insubstituível

© Foto: REUTERS/ Vincent West (2005)

Sabes, [Meu Amor,] hoje procurei-te, na companhia de outro homem, para me enganar da tua ausência. Substituí-te, no sorriso, no toque, no perfume, para fintar a tua falta. Busquei-te noutro olhar, noutra voz, noutra pele, para lograr a tua perda. Entreguei-me num beijo apaixonado, para iludir a inexistência do teu amor por mim e regressei a casa mais triste, mais perdida, mais só, arrasada, por te perceber único.

sábado, outubro 21, 2006

Percebes, agora, porque é que eu não me importo de ter asas?


Victoria´s Secret What is Sexy 2003

sexta-feira, outubro 20, 2006

Simão, o Inoportuno

Hoje, calhou-me, à última da hora, ter de ir buscar o Simão à escola de música.
Ele, como não sabia, ao avistar-me correu para mim, feliz, mas depois hesitou, deu dois passos atrás, para ir buscar um miúdo loirinho, fazendo questão de me apresentar ao amigo. Só que em vez de dizer, como é habitual, “Esta é a minha tia”, encheu-se de entusiasmo e, quase como quem assegura que eu sou uma das deles, inoportunamente exclamou: “Olha, o que a minha tia trás nos dentes!”, fazendo referência, é claro, ao aparelho que desde segunda-feira, me “abrilhanta” também, para mal dos meus pecados, os dentes da frente.

Percebes, agora, porque é que eu não me importo de ter asas?

O que disse o Düss, perguntam vocês

Para quem não sabe, os gnomos aparecem e desaparecem conforme a sua vontade.
Ora, tínhamos combinado que eu o levaria se ele prometesse manter-se invisível e comportar-se decentemente. Depois iríamos visitar o Simão, ver com ele uns vídeos e até, quem sabe, se houvesse uma aberta no tempo, ir dar uma volta, ao parque.
O que não estava, de todo, combinado é que mal eu me deitasse na marquesa e começasse a relaxar sob o calor húmido das lamas aquecidas, sua excelência, Düss El Dwarf, resolvesse dar o ar da sua graça, e passear pelos diversos gabinetes, a espreitar, vejam só, os pares de mamas das pacientes da clínica!
Não, isso não! Não me importaria, até, confesso, se ele fizesse abrir uma ou outra porta para impressionar aquela “velhada” que se resguardaria melhor nos seus agasalhos e se queixaria, importunada, da corrente de ar. Agora, aparecer, não!
E quando, já na rua, o repreendi e lhe jurei que nunca mais, que nunca mais consentiria que fosse comigo, teve a distinta lata, qual cliente insatisfeito, merecedor de indemnização, de me ameaçar:
− Eram todas velhas, aquelas mamas! Murchas e ressequidas! E se continuas com esse mau humor, Eterna, é o que te vai acontecer a ti!
Assim não, não há quem o aguente!

quinta-feira, outubro 19, 2006

Percebes, agora, porque é que eu não me importo de ter asas?

Homessa! Fisioterapia ou Manicómio???

Deitada na já costumeira marquesa, na clínica de fisioterapia, ouço, lá fora, nos diversos gabinetes:

Doente 1:
[Com voz arrastada, sinal de ter sofrido um
AVC]:

− Terapeuta Joana? Terapeuta Joana? Ó terapeuta Joaaana?
− Senhor Freitas, só, aí, vou se fizer um esforço para se lembrar do meu nome. Chamo-me terapeuta Helena. Ora diga: H-E-L-E-N-A! Que preguiçoso, senhor Freitas, assim não melhora!

Doente 2:
[Numa voz trémula, a denunciar já muita idade]:

− Não me mate! NÃO ME MATE! AI, QUE ME MAAAAATAM COM ESSAS MASSAGENS!

Doente 3:
[Muito calma, apenas com uma pontinha de espanto]:

− Ó terapeuta Alfredo está aqui um gnomo!

Doente 4:
[Eu. Levantando-me de repente, deixando cair a toalha que me cobria, correndo toda nua para onde vinha a última voz]:

− Düss? Düss?? DÜÜÜÜÜSS?!!!

Eu sabia, eu sabia que não o devia ter levado! Ele jurou-me que ficava invisível!

quarta-feira, outubro 18, 2006

O Düss hoje acordou assim...


E algo me diz que não vou ter paz no meu dia.

Excerto do diário de Lunata

Agradecimentos (Parte II)

Agora publicamente, os meus agradecimentos aos jornalistas Rita Ferro Rodrigues e Pedro Rolo Duarte pelos destaques, respectivamente, na Revista Única do jornal Expresso e no programa Janela Indiscreta, na Antena 1.
Como disse, sabe sempre bem vermos a nossa escrita reconhecida e, então, as visitas no SiteMeter disparem, oh, isso… isso nem se fala!

terça-feira, outubro 17, 2006

Percebes, agora, porque é que eu não me importo de ter asas?

Na foto: Izabel Goulard

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Simão, a Vedeta

Personagens:
• Simão, 6 anos (sim, já tem seis e qualquer dia perde a piada toda)
• Eu

Cenário:
Ao chegar a casa da minha irmã, abre-me a porta o Simão.
Eu conto-lhe:

− Sabes que no sábado estive num jantar e disseram-me que do que gostam mais no meu blog são das tuas histórias? E olha que já mais gente me disse isso.
Ele, com um pulo, simula um soco no ar e exclama vitorioso:
− YES! YES! YESSSSSS! SOU FAMOSO!

segunda-feira, outubro 16, 2006

Tão simples

Foto: Natacha Pisarenko/ AP (fonte: Público)

Ás vezes é tão simples, basta, assim: uma gargalhada; um tilintar de copos; um sorriso captado por flash, guardado para a posteridade [mesmo com olhos vermelhos]; um abraço sentido; uma confissão muitos anos depois; um segredo trocado como em miúdos; um pedaço de bolo; um perfume antigo já quase esquecido; um desabafar inocente; mais uma gargalhada sentida, e um pedaço de bolo vermelho; um abraço guardado para a posteridade; um segredo inocente; um sorriso antigo, mesmo com olhos vermelhos; uma confissão cortada por um tilintar de copos; às vezes basta assim: [Meu Amor,] é tão simples, para nos sentirmos felizes.

domingo, outubro 15, 2006

O Düss armado em Pinóquio

Foto: aqui

− Dizes que foste a um jantar de colegas da faculdade que não vias há mais de quinze anos e que comeste, de entrada, um crepe de camarão, que te caiu mal? Mas que raio de curso frequentam os gnomos??? O quê????? Economia???????!!! (Gargalhada). Não me digas que é para gerir o pote das moedas de ouro que fica no fim do arco-íris?! (Sorriso irónico).
Epá,
Düss, não me lixes! Andaste, mas é, a mexer na porcaria das bebidas do bar da sala!

sábado, outubro 14, 2006

Percebes, agora, porque é que eu não me importo de ter asas...

... ao meu lado, na cama, a zelar pelos meus sonhos?
Percebes?
Foto, gentilmente, enviada pela Loira

Tenham, lá, paciência, rapazes, mas é que NÓS também somos filhas de Deus!

sexta-feira, outubro 13, 2006

É hoje, é hoje, é hoje!

Vá, de olhos fechados e com muita fé:

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quinta-feira, outubro 12, 2006

Sobre o Caminho (VIII): Tonto

© Foto: Emilio Morenatti/ AP (Fonte: Público)

Lamento. Mas já não te quero. Sinto muito. Mas perdeste a tua oportunidade. Expirou o teu tempo. Tonto. Tiveste-o todo, ao tempo, ao meu e o teu. Nas tuas mãos, na tua vontade, nos teus desejos e apetites. Desperdiçaste-o. Tonto. Deixaste-o fugir, por entre incertezas e dúvidas. Deixaste-me escapar, por entre a tua indecisão e negligência e procuras agora, tonto, remendar essa rede, puída pelo sofrimento, repleta de fissuras e brechas por onde te escapa o controlo? Tonto! Esperavas que, agora, tanto tempo depois de me teres despedaçado o coração, ele sangrasse ainda por ti? Tonto! Imaginavas que, ainda, tantos anos depois de teres desprezado o meu amor, de me teres maltratado a auto-estima, de teres ignorado a minha dor… acreditavas que, ainda, estivesse aqui, de braços abertos, para te receber? Tonto.
Sabes, Meu Amor? Tenho pena. Não passas de um pobre tonto!

Homessa! Fisioterapia ou “A Letra L”*???

Hoje, deitada novamente na marquesa da clínica de fisioterapia, ouço uma outra voz, desta vez feminina, no gabinete ao lado, por entre exclamações de prazer (Aí, sim! Isso, aí! Ai!...), confessar-se à minha fisioterapeuta:
− Sabe que já estava cheia de saudades suas?!

Digo-vos, começa a ser surreal!


Foto de Terry Richardson

* "
A Letra L": série transmitida na rtp2

Um, dois. Um, dois...

testando as actualizações do blogroll do Mestre.
Já funciona,
JN?

quarta-feira, outubro 11, 2006

Homessa! Fisioterapia ou sessão Sado-Maso???

Na primeira sessão de fisioterapia, deitada, nua, numa marquesa da clínica, espero a minha vez, para massagens.
No gabinete ao lado, ouço, atónita, a voz grossa e viril de um homem, suplicar submissamente − por entre exclamações de dor − à minha fisioterapeuta:
− Terapeuta Bárbara, por favor, não me magoe! Não me massacre! Tenha pena de mim!

Digo-vos, foi assustador!

Percebes, agora, porque é que eu não me importo de ter asas?

Na foto: Alessandra Ambrosio

terça-feira, outubro 10, 2006

[Nas] Entrelinhas

Carta de Demiurgo a Lunata:

Lunata,

Permite-me que te leia um excerto do livro "O Senhor Calvino", do Tavares:

"
Personagem estratégica

Sobre a actividade incansável de uma personagem preguiçosa, que considerava que estar vivo era apenas um pretexto para descansar, Calvino relatou o seguinte:

Recuava até ao ponto em que já não poderia recuar mais.
Atrás havia um precipício.
A seguir avançava.
Mas só avançava até ao ponto a partir do qual tinha espaço atrás de si para poder recuar. Avançar mais não. Não era necessário.
Avançava o suficiente para poder recuar.
Depois recuava de novo até àquele ponto em que já não podia recuar mais.
Passava, então, os dias nisto.
Para trás era o precipício. Muito para a frente cansava-se.
Andava assim entre aqui e ali.
De noite, para recuperar forças, dormia.
Dormia, umas vezes aqui, outras ali. Mas nunca mais além.
"

Não sei reproduzir o desenho que acompanha este texto, mas vou tentar:

|||||iiiiii.... . . . . . iii||||||iii ___________________________________ pronto já está!

Um beijo,

Demiurgo

[Texto de Demiurgo]

domingo, outubro 08, 2006

Pecados Mortais: A Preguiça

Na foto: Uma Thurman

Chamem-me preguiçosa, se quiserem. Condenem-me por esse meu pecado − mortal −, se assim o entenderem. Excomunguem-me, esconjurem-me, punam-me, com o purgatório ou o inferno, não me importa. Tirem-me a Graça, o Mérito, façam-me merecer os Castigos, é-me igual. Vou continuar a dormir. Vinte e quatro horas por dia, trezentos e sessenta e cinco dias no ano, vou ficar [a sonhar] contigo, Meu Amor, no aconchego do único leito onde te posso ter: a minha cama; no único estado em que és meu: o sono.

sexta-feira, outubro 06, 2006

Eu hoje vou deitar-me assim...

Na foto: Scarlett Johansson

A pensar em ti, Meu Amor.

quinta-feira, outubro 05, 2006

Quando vale a pena ter amores sofridos

Obrigada, às jornalistas Fernanda Câncio e Rita Ferro Rodrigues pelo destaque nos seus blogs.
Assim, sim, para serem reconhecidos, até vale a pena ter (ou descrever?) amores sofridos! ;-)

quarta-feira, outubro 04, 2006

O Ponto Final

Naquele dia ela decidiu que bastava. Se a ideia de viver sem ele lhe parecia insustentável, pior lhe parecia continuar a viver aquela tortura. Afigurava-se-lhe em vão a sua dedicação, a cada rejeição; os seus perdões, a cada ofensa; a sua infinita capacidade para ouvir o que a magoava. Demiurgo tornara-se egocêntrico, egoísta, autista na sua empatia É provável que já antes o tivesse sido. É provável não, é certo, mas a sua afeição por ela camuflara-o, disfarçando-o por entre mimos e atenções. Expirado o amor, e na ânsia de viver o tempo perdido, viera, então, ao de cimo como um ovo estragado, pernicioso à saúde dela, flutuando, indiferente, a cada uma das suas atitude ou comportamentos. Às vezes chegava a ser surreal. Demiurgo entrava em casa angustiado, deitava-se sobre o colo de Lunata deprimido, e chorava em cada desabafo as dúvidas que tinha em relação ao seu relacionamento. Mas com outra mulher! “O que quereria ela dizer com aquela ou aquela frase? E com esta ou aquela atitude? Porque desviava ela, agora, os olhos ao encontro dos seus? Amá-lo-ia, ela?”. Amá-lo-ia ela?!, ela Lunata, sim, adorava-o!, e com a paciência e incondicionalidade de uma mãe que cuida de um filho que lhe faz mal, ouvia-o e engolia aqueles desaforos uns atrás dos outros, com forças vindas, por ventura, de algo sobrenatural, para lhes conferir um sabor menos amargo e os conseguir, lenta e carinhosamente, digerir. E o mais estranho, para ela que em quarenta anos apenas sentira aquilo por uma única pessoa, era o ser assim, este sofrimento, esta angústia, com A., com B., ou com C., porque Demiurgo coleccionava-as como os anos, os que tinha e os que ainda lhe restavam, aqueles que fora privado delas pela união com Lunata, aqueles que lhe fugiam com o passar do tempo, correndo, com a idade. A cada ausência dele, a cada atraso seu, Lunata sofria baixinho no silêncio do seu quarto, no abraço do seu travesseiro húmido, de tristeza, para ao senti-lo, o ir receber impecável, bonita e bem disposta, de braços abertos às ofensas ou às migalhas de amor, ou fosse, lá, o que viesse dessa vez.
Mas nessa noite Lunata decidiu que bastava, e ao erguer imponente da Lua, cheia, redonda, enorme, maternal, regressou ao lugar, seguro e sem gravidade, de onde nunca deveria ter saído: o Mundo da Lua. Abriu, então, a porta de casa e, assim, sem olhar para trás, tentando não vacilar um segundo que fosse, fechou-a, determinada, para sempre. E com ela, para sempre, também, o seu coração.

©
Sofia Bragança Buchholz, 2006. Reprodução interdita.

Percebes, agora, porque é que eu não me importo de ter asas?

terça-feira, outubro 03, 2006

Em 1878 como, hoje, em 2006 (II)

E ficou, tristemente, reflectindo.
− É o que tenho junto para umas botinas de gáspea!
Eram o seu vício, as botinas. Arruinava-se com elas: tinha-as de duraque com ponteiras de verniz, de cordovão com laço, de pelica com pespontos de cor, embrulhadas em papéis de seda, na arca, fechadas − guardadas para os domingos!

E como perdera a esperança de se estabelecer, não se sujeitava ao rigor de economizar: … e satisfazia o seu vício − trazer o pé catita. O pé era o seu orgulho, a sua mania, a sua despesa. Tinha-o bonito e pequenino.
− Como poucos − dizia ela. − Não vai outro ao Passeio!
E apertava-o, aperrava-o; trazia vestidos curtos, lançava-o muito para fora. A sua alegria era ir aos domingos para o Passeio Público, e ali, com a orla do vestido erguida, a cara sob o guarda-solinho de seda, estar a tarde inteira na poeira, no calor, imóvel, feliz − a mostrar, a expor o pé!
"

[Em "O Primo Bazilio", de Eça de Quiróz, Edições Livros do Brasil, págs 74 e 83]

Como
eu, como ela e como ela, também Juliana, a criada, em “O Primo Bazilio”, de Eça de Queiroz, tinha um “fetiche” por eles:

Floral Satin Sandal by Monolo Blahnik

Assim, está visto, independentemente da época, da classe social, do rendimento, ou do nível cultural, do que nós, mulheres, gostamos mesmo, aquilo por que nós, verdadeiramente, perdemos a cabeça (desenganem-se os homens a pensar que é por eles!) são, sem dúvida, os sapatos!