sábado, fevereiro 26, 2005

CRÓNICAS DA ABELHA MAIA EM MISSÃO HUMANITÁRIA – QUÉNIA: Crónica 1

Incumbida que fui de publicar, noutro blog, as crónicas da minha amiga Abelha Maia, coube-me a árdua – mas prazerosa – tarefa de seleccionar os ditos textos.
Resolvi, assim, seguir o esquema da autora, constituído por três capítulos – QUÉNIA (2001), MOÇAMBIQUE (2002) e LIBÉRIA (2003) – referentes aos países onde esteve em missão. Estes capítulos são subdivididos em várias crónicas, sendo estas, por sua vez, contadas em episódios.
Devido à qualidade – quer literária, quer humana – destes textos, decidi partilhar, também aqui, alguns deles.
Apenas um reparo: as omissões de nomes, os erros ortográficos, as ausências de acentos, tiles, cedilhas… são propositados. Coisas de quem tem de lidar com confidencialidade, com teclados estrangeiros, etc…

E, então, era assim…

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cronicas do quenia - 1 -
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Tenho muitas saudades da vida que tinha no porto, das pessoas com quem vivia e dos amigos. Pela primeiraa vez na vida estou lonje das pessoas que amo. Nao é dramatismo, é mesmo aquilo que sinto e o que esta a ser mais duro.
Maia
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Onde vivo...
Vivo num condominio fechado a sete chaves. Existe uma duzia de casas pequenas (“maisonettes” - T2+1 com R/C e 1° andar com jardim nas traseiras) e 5 estao alugadas à MSF. Numa estou eu, noutra esta o chefe de missao casado com uma moçambicana e com 2 filhos, outra serve de “guest house” para a missao Sul Sudao e onde vive o consultor para a segurança alimentar, noutra vive o medico croata especialista em malaria e a mulher dele e na outra esta o coordenador medico desta missao, a mulher que esta a trabalhar tambem como voluntaria na Campanha de Acesso aos Medicamentos Essenciais.
Partilho casa com outros 2 voluntarios. O mais velho chama-se Michel, tem 56 anos e é reformado da força aerea francesa. Tem uma escola de pilotagem de avioes no Sul de França e eu ja consegui negociar descontos se quisermos tirar o brevet.... nada mau hem? Ele veio para Nairobi com a missao especifica de coordenar a mudança de instalaçoes. Vai embora no fim de Março. Viver com o Michel e como viver com alguem da nossa idade, esta sempre pronto para embarcar nas minhas aventuras, mesmo que isso tenha algumas consequencias graves... Conto a historia mais tarde.
O outro voluntario é o Jean-Philippe, tem 34 anos e veio para ca como Log-Admin (logistico-administrativo) para a missao Samburu (urgencia alimentar detectada no inicio de Julho). Em Dezembro, depois do encerramento do centro terapeutico-alimentar, ele decidiu ficar uns meses em Nairobi porque se apaixonou por uma etiope e assim da-nos uma ajuda na resolucao dos problemas que esta missao tem ao nivel da frota automovel... É melhor nem falar dos problemas da missao....
Entretanto outros voluntarios tem passado por minha casa, nomeadamente um médico alemao chamado Kai, que veio por 3 meses para a missao Samburu e que, de volta das férias de fim de missao na Tanzania, passou uma semana na nossa casa...

© Abelha Maia

Reflexões: Quando penso em política lembro-me sempre do Mendes...

Quando era miúda tinha um colega, na escola, que se chamava Mendes. Quando o interpelávamos “Ó Mendes…”, ele agarrava, invariavelmente, nos testículos e respondia: “Aqui o tendes!”

A ver vamos, Marques Mendes, a ver vamos… porque, como diria a Rititi, “hay que tenerlos!”

quinta-feira, fevereiro 24, 2005

1 de Fevereiro de _ _ _ _

Acordei sozinha, com o édredon do S. deitado ao meu lado para me iludir.
Liguei-me ao mundo com um gesto simples e eficaz no comando da televisão. As desgraças dos outros vieram apagar-me a réstia de sono, numa tentativa – hoje bem sucedida – de me manterem acordada. Quando as últimas (espectaculares) imagens do tsunami na Ásia se tornaram maçadoras, deixando de prender a minha atenção, levantei-me. Continuei o meu contacto com o mundo. Liguei os telefones, os telemóveis. Um convite para um baile de Carnaval... Rejeitei, esfarrapadamente. Liguei o portátil, abri o Outlook. Nada de importante. Iniciei o Messenger, ninguém especial.
Levantei-me, novamente, e fiz a minha primeira ronda pela casa. O sol invadiu-me a sala ao abrir as pálpebras das janelas. Uma íris brilhante convidou-me a sair… resisti. Continuei a ronda. Pareceram-me grandes os pequenos 65 metros quadrados de casa, assim, no silêncio.

De Mãos Dadas com a Perfeição

"...

Sou a terceira filha de uma união perfeita entre um advogado e uma bióloga. Digo terceira, porque apesar de ter partilhado durante nove meses a placenta com a minha irmã e de termos nascido no mesmo dia, ela, como iria acontecer sempre na nossa vida, decidiu-se primeiro e resolveu encarar o mundo antes de mim.
Tive uma infância feliz, daquelas infâncias invejáveis, que nem o meu problema cardíaco congénito conseguiu estragar. Passei Verões inteiros na praia e na piscina, Setembros na Quinta rodeada de primos e amigos e mesmo estando proibida de fazer esforços, como andar de bicicleta ou correr, e ser “vigiada” por um adulto vinte e quatro horas por dia, muitas vezes a minha imaginação se soltou e suplantou todas as limitações que me eram impostas. Nunca me vou esquecer da areia macia e quente a acariciar-me o corpo depois dos banhos frios no mar. Dos gelados à hora do lanche. Da avó a chamar-nos e nós a adiar-mos sempre a partida, quando o pai chegava ao fim da tarde, para nos vir buscar. Das algas que vendíamos como mercadorias preciosas. Dos camarões que apanhávamos como se fossem lagostas. Dos caranguejos que perseguíamos. Das “amonas” na piscina. Dos saltos, da prancha, do meu primo Henrique. Dos pic-nics no rio. Dos bolos da Ló. Não sei porquê, mas não recordo dias frios na minha infância. Noites sim, às vezes, chegavam mesmo a ser assustadoras.
Na minha opinião, uma das vantagens da minha doença foi o adiamento da nossa entrada no Colégio Alemão. Fomos dispensadas do Kindergarten, mas em compensação recebemos, durante dois anos, aulas privadas em casa. A directora do colégio era nossa vizinha e amiga da minha mãe e, pacientemente, a sua filha Astrid, todos os dias, durante três horas, brincava connosco e ensinava-nos alemão. Era a nossa única obrigação naquele tempo em que reinava a liberdade total.
...

Vestiram-nos de igual, aqueles vestidinhos de fazenda ao xadrez azul e vermelho que tinham sido comprados para a ocasião, pentearam-nos os cabelos e serviram-nos o pequeno-almoço que, noutras circunstâncias, teria sido o melhor da minha vida: torradas, leite com Todi, gelatina de morango e um Super-Maxi para cada uma! No fim ainda nos entregaram um cone enorme, cheio de chocolates, rebuçados e outras surpresas, para ser aberto como mandava a tradição alemã, na escola, no primeiro dia de aulas.
— As nossas meninas estão umas senhorinhas! — dizia a minha mãe orgulhosa à Ló, enquanto abria a porta do carro para nós entrarmos.
E a outra respondia como se fossemos na verdade suas filhas, que era assim que ela nos sentia:
— Estão tão bonitas!
E o meu irmão Dinis a ameaçar:
— Vejam lá se não chateiam, ouviram? — E avisava a minha mãe: — Ó mãe, diga-lhes para elas não me chatearem, está bem, mãe?!
E continuava para nós, a desbobinar um rol de regras:
— Não falem comigo quando estou com os meus amigos. Não vão ter comigo quando estou com os meus amigos...
E, como a minha mãe o interrompia para o chamar à atenção, ele sintetizava, sem ela o ouvir, mas para nós numa voz suficientemente clara:
— Não falem comigo, ouviram?! Simplesmente não falem comigo!
“Como podiam ser parvos os rapazes com onze anos!”, teria eu pensado hoje, mas naquela altura, parecera-me suficientemente ameaçador.
E depois os beijinhos. Um beijinho ao pai, que estava também orgulhoso; um à avó Margarida, que tinha vindo de propósito a nossa casa para assistir àquele evento; um à Ló, com abraço apertado incluído; e um ao Lord, que era o nosso Basset Hound, mais roubado do que consentido, porque a minha mãe estava presente e achava uma porcaria deixar que o cão nos desse beijos na cara.
Toca a andar, que já é tarde, lá nos meteu a mãe no carro, o Dinis sempre a “rosnar”, e eu a olhar para trás, pelo vidro traseiro, a acenar interminavelmente à Ló e à avó, como se fosse numa viagem muito longa e para muito longe, quando na realidade me afastaria apenas dois quarteirões e estaria de volta à uma hora da tarde.
São tão grandes as distâncias na infância e tão longas as horas quando somos crianças... que nem nos passa pela cabeça como, num passe de mágica, elas se encurtam e aceleram, contra nossa vontade, quando nos tornamos adultos."

© Sofia Bragança Buchholz

In "De Mãos Dadas com a Perfeição", págs. 104-105, 108-109; Editorial Presença 2003

quarta-feira, fevereiro 23, 2005

_ _ de Fevereiro de 2005 – 16:02h

Bolas, devo ter sido mordida por uma mosca tsé-tsé! São quatro da tarde e acabo de acordar! Entretanto, já passei pelo velório da irmã Lúcia; por uma escola no Japão onde alguns professores foram esfaqueados por um adolescente; por uma festa qualquer em Lisboa com Caras que são notícia; e conduzi a novíssima bomba da BMW, o último série XPTO, que tem o senão de ter pouco espaço para um terceiro passageiro! Isto tudo desde as duas horas! É o que dá acordar com a televisão sintonizada na Sic-Notícias…

Carnaval II

CaRnAVaL
Hoje foi a vez do Hulk se pegar à bofetada com o Homem Aranha.
Um queria ver os “Morangos com Açúcar”, o outro, o “Noddy”.
E mais uma vez… uma choradeira… pela mãe.
Palpita-me que é ela, a única com “super-poderes”…

16 de Outubro de _ _ _ _

O Meu Amante é Mágico. É Mágico e é Sábio. Vem de um reino distante que se dividiu em dois: uns tornaram-se Magos, outros continuaram Mágicos e ficaram encarcerados no reino das Fadas. Mais tarde os Magos voltaram a ser Mágicos e alguns atingiram a sapiência. É o caso do Meu Amante... e se ele diz, eu acredito.

sexta-feira, fevereiro 18, 2005

Carnaval

Carnaval
A Tartaruga Ninja pregou um estalo ao Homem Aranha, que respondeu,
prontamente, com um biqueiro...
Acabaram os dois a chamar pela mãe.
Já não há super-heróis como antigamente!...

quinta-feira, fevereiro 17, 2005

De Mãos Dadas com a Perfeição

"...
- Desces? — ouvi-o perguntar pelo intercomunicador do prédio.
- Dá-me só mais dez minutos, está bem? — pedi, carregando no botão para lhe abrir a porta da entrada.
- Mariana?
- Sim?
- Importas-te que espere cá em baixo? É que está um dia óptimo... parece Verão!
- Claro que não! — respondi. — Eu desço já.
Tinha-me telefonado há meia hora atrás, ainda eu dormia a sono solto, a antecipar para a manhã o encontro combinado para a tarde. E, apesar de estar ensonada e ressacada das sucessivas “caipirinhas” que bebera na véspera, aceitei prontamente ir tomar café com ele a Leça.
Sequei o cabelo rapidamente, engoli um copo de leite e corri para a porta, fechando-a atrás de mim.
Cá em baixo, ao sair para a rua, a claridade encandeou-me e fez-me colocar os óculos escuros enquanto o procurava. Depois de alguns minutos, descobri-o finalmente, e foi com um sorriso malicioso que me aproximei do descapotável onde estava sentado.
- Viva! Até que enfim que vejo um homem bonito dentro de uma “bomba” destas!
Ele voltou-se surpreendido na minha direcção e sorriu ao reconhecer-me.
- Geralmente são feios ou velhos! — acrescentei.
E, tirando os óculos escuros para o ver melhor, colocando-os na cabeça como se fossem uma bandolete, continuei:
- Gosto do teu carro, sabias?!
Ele abriu a porta e saiu do automóvel para me cumprimentar. Depois, ficámos os dois a olhá-lo, a admirá-lo como se fosse uma obra de arte.
- Um espectáculo, João! — disse mais uma vez, sem conseguir esconder o encantamento que este tipo de carros produzia sobre mim.
Ele, orgulhoso, sorria como um miúdo que mostra a um amigo um brinquedo novo. Mas eu não lhe ficava atrás. Fascinada, continuei à volta do carro, deslizando a minha mão lentamente sobre ele como se o acariciasse. Sentei-me no lugar do condutor. Senti os estofos macios de pele. Agarrei com firmeza o volante...
Ele baixou-se para ficar à minha altura e, vendo o meu entusiasmo, perguntou:
- Queres guiá-lo?
- Não sabes com quem te metes... — avisei, voltando a cabeça na sua direcção.
- Corro os meus riscos...
E, antes que mudasse de ideias, respondi:
- “Bora” lá!
Deixei-o entrar, ajustei o banco e os espelhos, pus o cinto, meti primeira e arranquei, sem sequer ter feito pisca.
- Não sabia que gostavas tanto de carros — comentou divertido.
- Isto não é um carro, João! Isto é...
Mas não acabei a frase porque me faltou o termo certo.
Ele riu-se. Mas por pouco tempo, porque na primeira recta viu-me acelerar até aos noventa.
- Cuidado com os cruzamentos, Mariana — aconselhou a medo.
Eu nem o ouvi. Entrei na Av. Marechal Gomes da Costa e carreguei no acelerador a fundo, só abrandando quando o ponteiro atingiu os cento e vinte.
Tive a sensação de que ele se encolheu no assento e, por várias vezes, pareceu-me que carregou instintivamente num travão imaginário.
- Não tenhas medo... — tranquilizei-o. — Nunca bati.
Ele respondeu numa voz que mal pude ouvir:
- Fico muito mais tranquilo...
Eu continuei.
- Foram sempre os outros que vieram contra mim... — E, desviando o olhar para ele, o que o fez ficar ainda mais aflito, acrescentei na brincadeira: — Mas por culpa minha!
Ele riu-se, novamente sem vontade, e respirou fundo.
Tinha subido a Av. da Boavista e voltado a descê-la. Meti outra vez pela Marechal e entrei nas ruas estreitas da Foz, sempre a uma velocidade considerável.
O João não disse nada, nem me perguntou aonde é que eu ia e, quando me viu parar em frente a casa, suspirou aliviado.
- Quase me matavas de ataque cardíaco, Mariana! — confessou, levando a mão ao peito, mas descontraindo-se finalmente no assento.
Eu agarrei-me ao seu pescoço e, ainda eufórica, enchi-o de beijos.
- És um homem de bom gosto! Não há nada que chegue às marcas alemãs! — exclamei, fazendo referência aos dois carros que lhe conhecia, e ao terceiro que suspeitava ser o da sua mulher, pois estava constantemente estacionado em frente da sua casa, mas que ele nem imaginava que eu já tinha visto.
Depois informei abrindo a porta do carro:
- Esqueci-me da carteira, vou buscá-la num instante.
E, ainda referindo-me ao que dissera anteriormente, acrescentei em alemão, como ouvira num anúncio: — Die deutsche Technologie!

Quando voltei a entrar no carro, ele estava sentado no lugar do condutor.
Eu desafiei-o com um ar trocista:
- E depois são os homens que têm fama de gostar de adrenalina...
Ele agarrou-me a cabeça com ambas as mãos, como se me fosse bater ou beijar, não sei, e, chegando a sua cara muito perto da minha, disse:
- És doida, Mariana. És completamente doida...
- Porquê? — quis saber, quase tocando os seus lábios.
- Porque passaste um semáforo vermelho e porque...
Não o deixei concluir. Pressionei o seu lábio superior entre os meus, devagarinho.
- Porque...? — murmurei.
Ele não respondeu e eu continuei...
- Gostas? — perguntei depois baixinho.
- Gosto — confirmou, respirando fundo, rendendo-se às minhas carícias.
E, olhando-me com um olhar de desejo, apenas a milímetros do meu, sugeriu:
- E se não fossemos tomar café a Leça?"

In "De Mãos Dadas com a Perfeição", págs. 30-33; Editorial Presença 2003

terça-feira, fevereiro 15, 2005

Dramas de uma Mulher

As minhas manhãs são cada vez mais estúpidas. Acordo e dou comigo com a terrível missão de combater o inimigo: o pó da casa! Sim, porque ser-se "abandonada" pelo marido ainda se aguenta, agora, o que uma mulher não aguenta é ser abandonada pela empregada! Ouviu, Amélia? Lá que o "senhor doutor" se tenha pirado para o estrangeiro a pretexto de “vencerre na vida” ainda vá que não vá, agora, deixar-me aqui, sozinha, a braços com esta árdua tarefa de limpar a casa, é que não! Eu disse sozinha? Qual quê, quedou-se um séquito de ácaros a fazer-me companhia!!! Antes só do que mal acompanhada, já dizia, e muito bem, o ditado. Bem, resta-me o consolo do aparato da situação: luvas cirúrgicas, máscara de bloco operatório, bisturi (leia-se esfregona)… ah, como eu gostava de ter sido médica (suspiro)! E lá vou eu, furiosamente, de olhos a picar e de espirros contidos, perseguindo o inimigo pela casa fora…
Só depois desta (recente) rotina tenho tempo de engulipar – benditos concursos de língua portuguesa! O que a gente aprende! – qualquer coisa a que chamo pequeno-almoço.
Já que corro o risco de morrer estúpida ao menos… haja Saúdinha!