Esta semana, Demiurgo, parando sob o Quarto Crescente onde Lunata, recostada, bamboleava descontraidamente a sua perna direita, mirando-a, disse:
– Lunata, quero ler-te um poema… Posso?
Ela, surpreendida, assentiu.
Ele pigarreou, tossiu, afinou a voz e começou:
"Ai, Margarida,
Se eu te désse a minha vida, que farias tu com ella?
- Tirava os brincos do prego,
Casava com um homem cego
e ia morar para a Estrella.
Mas, Margarida,
Se eu te désse a minha vida,
Que diria a tua mãe?
(Ella conhece-me a fundo.)
Que ha muito parvo no mundo,
E que eras parvo tambem.
E, Margarida,
Se eu te désse a minha vida
No sentido de morrer
- Eu iria ao teu enterro,
Mas achava que era um erro
Querer amar sem viver.
Mas, Margarida, se este dar-te a minha vida
Não fôsse senão poesia?
- Então, filho, nada feito.
Fica tudo sem effeito.
Nesta casa não se fia."
Depois, ligeiramente rubro, embaraçado por aquele seu acto súbito de espontaneidade, informou:
- Communicado pelo Engenheiro Naval
Sr. Alvaro de Campos em estado
de inconsciencia alcoolica.
Lunata sorriu, soprou-lhe um beijo lá do seu Mundo da Lua e, numa voz que pareceu um murmúrio quase imperceptível cá em baixo, na Terra, agradeceu:
- Obrigada, Demiurgo. Adorei o poema.