Não conheço os meus vizinhos. Moro nesta casa há onze anos e não conheço nenhum. Nunca fiz questão de os conhecer. Diplomaticamente dou-lhes os bons dias e as boas noites, reconheço-lhes a fisionomia e os nomes, mas não sou amiga de nenhum. Contudo, sei-lhes os hábitos melhor do que os dos meus próprios amigos, a vida quase tão bem como a minha, os gostos quase de cor.
A vizinha de cima, mulher sozinha e mãe de um filho já homem, avó de uma neta pequena, fala noite adentro ao telefone. Começa a conversa à uma hora e prolonga-a até às três. Ás vezes, sai, também, à noite e chega tarde a casa conduzida por uma amiga que a deixa, impreterivelmente, às quatro da manhã.
Já o filho da vizinha de baixo, rapaz, aí, para uns vinte e sete anos, costumava chegar às cinco. Faz tempo que não o vejo e que não lhe sinto o bater da porta a essa hora da madrugada o que me leva a pensar que talvez tenha casado, quem sabe.
A vizinha do lado é estrangeira. Tem o sotaque rude (que me é tão familiar!) do norte da Europa. Dessa “cultura bárbara” herdou também a intolerância e a exigência por aquilo que nem ela própria consegue cumprir. Desloca-se sempre de bicicleta, é dada a depressões e já se tentou suicidar.
Do outro lado vive um médico. Deita-se cedo e levanta-se mais cedo ainda para passear os seus três melhores amigos: os dois cães e a mulher. Gosto destes vizinhos. Gosto do seu companheirismo de longa data, gosto das rugas e das feições magras da mulher, do seu sotaque também estrangeiro (mas desta vez, do sul), do ar robusto e sério – honesto – do marido. E gosto dos cães. De um enorme que já morreu, de pêlo crespo e farfalhudo a esconder uns olhos que se adivinhavam meigos e fiéis, e de um que se passeia agora com outro que não gosto, igualzinho a esse, mas em ponto pequeno.
Poderia ainda falar-vos da vizinha que sofre de osteoporose (lindíssima quando era nova! De fazer inveja à mais bela estrela de Hollywood!); do vizinho que mantêm a mesma amante há anos; ou ainda daquele outro que bebe “socialmente” um copo a mais. Tudo isto sem os conhecer. Tudo isto sem eles me conhecerem a mim. Porque as péssimas construções em Portugal, meus caros leitores, “promovem a convivência”, “facilitam as relações”, “fomentam a integração”! E pergunto-me, sinceramente, por entre estas paredes de papel, por onde a privacidade é nula, por onde se sabem vidas, por onde se ouvem histórias, quantas eles – os vizinhos que não conheço – não saberão [lamentavelmente] sobre mim!