terça-feira, fevereiro 28, 2006
Depois da quantidade obscena de fadas pirosas com que me cruzei hoje na rua, estou seriamente a pensar mudar o nome deste blog para: “E os Noddys… também se enganam no Caminho?. Esses, sim, foram os únicos que de facto achei engraçados.
sexta-feira, fevereiro 24, 2006
Sobre os Loucos
Os loucos são excelentes inventores de histórias e, só por isso, têm sobre os outros − os ditos normais − a vantagem de serem consideravelmente menos aborrecidos.
quinta-feira, fevereiro 23, 2006
Bipolar
Numa sazonalidade aleatória, imprevisível, alternava estados de espírito como quem muda de camisa.
Às vezes sentia-se eufórico, forte, confiante, capaz de subir montanhas, escalar o céu, ser, até mesmo, Deus; para depois, sem aviso, traiçoeiramente, os seus neurotransmissores bloquearem caminhos, ligações, impedindo a passagem dos impulsos nervosos, fazendo-o mergulhar naquele poço escuro, deprimente, angustiante, sem fim.
Mas, ele, o fim, chegaria um dia: uma semana, um mês, um tempo depois, numa subida vertiginosa − qual montanha-russa − de alucinada eloquência, de messiânica sabedoria, de fama e glória, de poder e virilidade que o embriagavam numa hiperactividade psicológica, numa festa neuronal que, invariavelmente, voltariam a desembocar numa dolorosa − e conhecida − ressaca.
Às vezes sentia-se eufórico, forte, confiante, capaz de subir montanhas, escalar o céu, ser, até mesmo, Deus; para depois, sem aviso, traiçoeiramente, os seus neurotransmissores bloquearem caminhos, ligações, impedindo a passagem dos impulsos nervosos, fazendo-o mergulhar naquele poço escuro, deprimente, angustiante, sem fim.
Mas, ele, o fim, chegaria um dia: uma semana, um mês, um tempo depois, numa subida vertiginosa − qual montanha-russa − de alucinada eloquência, de messiânica sabedoria, de fama e glória, de poder e virilidade que o embriagavam numa hiperactividade psicológica, numa festa neuronal que, invariavelmente, voltariam a desembocar numa dolorosa − e conhecida − ressaca.
terça-feira, fevereiro 21, 2006
segunda-feira, fevereiro 20, 2006
A Desconfiança
Eu bem me parecia que Erre Manesse nos está a tentar enganar desde o inicio, que não é o contista de Jehru Bestseller, coisa nenhuma, e que aquele bilhete escrito a letras góticas, afixado na porta leste do Aldebarã em meados de Janeiro, não passou de uma nota falsa para nos despistar a todos.
Ainda recordo a face apavorada de Demiurgo a assomar-me à ponta da Montblanc, os seus delírios numa língua antiga, as referencias ao Zarapelho, ao Barzabum, ao Beiçudo… e de como resolvi aquilo muito prontamente, atribuindo-os a febres e enfiando-lhe dois BenUrons e duas aguardentes no bucho. É que às vezes os escritores também cometem erros e, não darem o benefício da dúvida aos seus personagens, é um deles.
Mas agora leio Paulinho Assunção que relata que viu Erre Manesse examinando-se ao espelho, procurando sinais de mutação no seu rosto, buscando vestígios filiformes exagerados e, mesmo sem os ter encontrado, ter voltado para junto dos demais com aquela expressão alucinada, única daqueles que já estiveram na presença do Chifrudo.
Nota: O Bar Aldebarã é um projecto e ideia única e exclusivamente da autoria e responsabilidade dos escritores Manuel Jorge Marmelo e Paulinho Assunção, sobre o qual eu, com o conhecimento e consentimento dos autores, volta e meia, divago.
Ainda recordo a face apavorada de Demiurgo a assomar-me à ponta da Montblanc, os seus delírios numa língua antiga, as referencias ao Zarapelho, ao Barzabum, ao Beiçudo… e de como resolvi aquilo muito prontamente, atribuindo-os a febres e enfiando-lhe dois BenUrons e duas aguardentes no bucho. É que às vezes os escritores também cometem erros e, não darem o benefício da dúvida aos seus personagens, é um deles.
Mas agora leio Paulinho Assunção que relata que viu Erre Manesse examinando-se ao espelho, procurando sinais de mutação no seu rosto, buscando vestígios filiformes exagerados e, mesmo sem os ter encontrado, ter voltado para junto dos demais com aquela expressão alucinada, única daqueles que já estiveram na presença do Chifrudo.
Nota: O Bar Aldebarã é um projecto e ideia única e exclusivamente da autoria e responsabilidade dos escritores Manuel Jorge Marmelo e Paulinho Assunção, sobre o qual eu, com o conhecimento e consentimento dos autores, volta e meia, divago.
domingo, fevereiro 19, 2006
O desaparecimento
E, assim, ao ver os cabelos dela rasgados, baços, mortos, no chão, Demiurgo entrou em pânico.
Percorreu as divisões da casa com a urgência das fatalidades, correu ao jardim com a aflição das desgraças, demandou por ela em voz tremida, alta, histérica, sem receio ou vergonha do ridículo. Inquiriu, senhor Lavrador e sua loira esposa, dona Retrivier, dom Tareco, dona Plátano, senhor Carvalho… Correu a vizinhança: o merceeiro Augusto, o vendedor de carros Almeida, o doutor Albuquerque. Desceu ao rio, perguntou a pescadores, transeuntes, estrangeiros… palmilhou-o até à foz: indagou moradores, jornaleiros, turistas. Nada. Ninguém havia visto Lunata desde aquele dia em que, curvada como uma velhinha, se havia trancado em casa para hibernar na sua tristeza.
Percorreu as divisões da casa com a urgência das fatalidades, correu ao jardim com a aflição das desgraças, demandou por ela em voz tremida, alta, histérica, sem receio ou vergonha do ridículo. Inquiriu, senhor Lavrador e sua loira esposa, dona Retrivier, dom Tareco, dona Plátano, senhor Carvalho… Correu a vizinhança: o merceeiro Augusto, o vendedor de carros Almeida, o doutor Albuquerque. Desceu ao rio, perguntou a pescadores, transeuntes, estrangeiros… palmilhou-o até à foz: indagou moradores, jornaleiros, turistas. Nada. Ninguém havia visto Lunata desde aquele dia em que, curvada como uma velhinha, se havia trancado em casa para hibernar na sua tristeza.
quarta-feira, fevereiro 15, 2006
A Amália
Apeteceu-me pôr a Amália a dizer “ciclópentanoperídófenantrêno”. Não deixa de ser curioso ouvir essa mesma palavra em diversas línguas.
Cheguei à conclusão que ela não distingue o acento circunflexo. Para ela uma “foda” não passa de uma “fôda” e o "Fado", esse, é a mesma coisa que o "fâdo". [Via Azenhas do Mar]
terça-feira, fevereiro 14, 2006
O meu primeiro "Homem de Acção"
Ao despedir-me do meu sobrinho Simão, no quarto dos brinquedos, chamou-me a atenção o físico bestial e a carinha “laroca” de um boneco com que ele brincava. Fiquei a saber que era um “irmão” do ActionMan, o que interpretei como sendo uma cópia – neste caso, muito bem feita – do dito personagem.
Deve-me ter saltado a tampa do saudosismo, aberto a porta das lembranças, das tardes que às escondidas do meu irmão mais velho, ou aproveitando enquanto ele estava na escola, me deliciava com os dotes e beleza do “Mamo”, pois era assim que, no meu ainda incipiente vocabulário − mas já com apurado sentido estético e, está-se a ver, de sexualidade bem definida − eu pronunciava o nome de tão fascinante e bem feito boneco.
Tal era a minha paixão pelo brinquedo que fartos das gritarias do meu irmão, aquando dos flagrantes, e da respectiva choradeira da minha parte, alguém, não me lembro se a minha mãe, se a minha avó ou madrinha, teve a feliz ideia de me presentear com um desses bonecos. Mas se feliz foi, não se pode dizer que tenha sido inteligente, pois quem o fez teve, erradamente, atenção à minha idade (ou à sua bolsa) e escolheu um subproduto daquele, um homenzinho também de físico atlético, mas bem mais pequeno, vestido com uma roupa de combate (ou seria de safari?), com uns ridículos pés em forma de pino que encaixavam numas grosseiras botas de tropa (ou seriam de expedição?).
Ora, está visto que o meu amor continuou clandestino, suspirado nos intervalos de ausência do meu irmão em que, apaixonadamente, despia e vestia o “meu homem”, tirando-lhe o fato de combate para o substituir pelo de mergulho, e me entregava com ele nas mais diversas e perigosas aventuras, ficando o seu pretenso substituto abandonado, esquecido no berço das bonecas, confinado a gúgús-dádás, a biberões e xi-xis com as minhas ricas filhas.
Deve-me ter saltado a tampa do saudosismo, aberto a porta das lembranças, das tardes que às escondidas do meu irmão mais velho, ou aproveitando enquanto ele estava na escola, me deliciava com os dotes e beleza do “Mamo”, pois era assim que, no meu ainda incipiente vocabulário − mas já com apurado sentido estético e, está-se a ver, de sexualidade bem definida − eu pronunciava o nome de tão fascinante e bem feito boneco.
Tal era a minha paixão pelo brinquedo que fartos das gritarias do meu irmão, aquando dos flagrantes, e da respectiva choradeira da minha parte, alguém, não me lembro se a minha mãe, se a minha avó ou madrinha, teve a feliz ideia de me presentear com um desses bonecos. Mas se feliz foi, não se pode dizer que tenha sido inteligente, pois quem o fez teve, erradamente, atenção à minha idade (ou à sua bolsa) e escolheu um subproduto daquele, um homenzinho também de físico atlético, mas bem mais pequeno, vestido com uma roupa de combate (ou seria de safari?), com uns ridículos pés em forma de pino que encaixavam numas grosseiras botas de tropa (ou seriam de expedição?).
Ora, está visto que o meu amor continuou clandestino, suspirado nos intervalos de ausência do meu irmão em que, apaixonadamente, despia e vestia o “meu homem”, tirando-lhe o fato de combate para o substituir pelo de mergulho, e me entregava com ele nas mais diversas e perigosas aventuras, ficando o seu pretenso substituto abandonado, esquecido no berço das bonecas, confinado a gúgús-dádás, a biberões e xi-xis com as minhas ricas filhas.
Uma engrenagem
Desmontou a cabeça, peça por peça. Azeitou, poliu, limpou com flanelas. Depois começou a montar. Pronta, viu que uma engrenagem tinha ficado na mesa. Pensou em recomeçar. Tentou. Não conseguiu. Faltava, para saber desmontar, aquela engrenagem principal.
Marina Colasanti in “Um Espinho de Marfim e Outras Histórias”; Figueirinhas, 2003; pg. 163
Marina Colasanti in “Um Espinho de Marfim e Outras Histórias”; Figueirinhas, 2003; pg. 163
segunda-feira, fevereiro 13, 2006
IMAGEMdoDIA
"A dog pokes its head through a crack of the door during a traditional hunting contest in the Chengelsy gorge some 150 km (93.2 miles) east of Almaty February 11, 2006. Kazakhstan's national sport of Sayat - or hunting with golden eagles - is becoming increasingly popular in the Central Asian state. Berkutchi, or golden eagle hunters, from all over the country arrived for the annual two-day competition."
REUTERS/ Shamil Zhumatov
domingo, fevereiro 12, 2006
As mais belas canções de amor do mundo VII
sexta-feira, fevereiro 10, 2006
quinta-feira, fevereiro 09, 2006
Estranhos Prazeres
Sinto, confesso, um certo prazer nesta melancolia que me toma, nesta tristeza controlada, nesta solidão consentida. Uma espécie de embriaguez nostálgica, apanágio dos românticos, onde o turvar dos olhos é uma bênção e o rolar das lágrimas um orgasmo.
A Briga
Hoje, Demiurgo voltou para ver Lunata.
Como o esposo que regressa ao lar, cobardemente, depois de se ter perdido de amores, temporariamente, por outra donzela, também ele voltou cabisbaixo, carente e acima de tudo − e isto ele jamais confessará a Lunata − tremendamente humilhado. Ou pelo menos, na sua insegurança de “intruso” no Aldebarã, era assim que ele se sentia.
Todos nós sabemos que bar que é bar tem direito, de vez em quando − e sobretudo por parte dos seus clientes de sexo masculino − a ânimos exaltados, tons de voz elevados, picos de adrenalina, descargas exacerbadas de testosterona… mas o que Demiurgo estava longe de imaginar e, pior, de desejar, é que fosse ele próprio o protagonista da primeira briga no Aldebarã.
Reinava a maior gozação, com José Alencar entretido em danças nativas com a recém chegada Iracema, acompanhados ao batuque por James Joyce e seguidos por todos os ilustres presentes que, despojados de suas roupas − chapéus, paletós, coletes, camisas, calças, ceroulas, sapatos e polainas − se entregavam às maravilhas “orgiásticas” do bailado das virgens de tucumã. A certa altura, aproveitando o momento em que Joyce marcava os compassos apenas com meneios, um tal de Homem dos Limões teve a infeliz − e distraída − ideia de sugerir que se atassem quatro balões às pontas do Aldebarã, de forma a que este pudesse levitar e percorrer, assim, os céus do mundo inteiro. Ora, Demiurgo, um homem de ciência, habituado a unir e desunir moléculas e átomos na exacta proporção de uma precisa receita culinária, obcecado pela exactidão, pelo perfeccionismo, pela lógica e pela razão − e também, diga-se de passagem, um pouco solto pelos suspiros de musas, pelas beberragens artesanais e outras mistelas servidas no Aldebarã − ouve aquilo e…, pois, está claro, deixa sair, mais para si do que para os outros, mas, infortunadamente, em voz alta, a seguinte exclamação: − Homessa, mas não era já o Aldebarã um bar-nave??!
Em maldita a hora o fez! Paulinho Assunção, ali ao lado, ouvindo-o e não perdoando, atira-se a ele de dedo em riste, acusando-o, vejam só, de “realista”! E foi vê-los num duelo de esgrima, desembainhando insultos: “Se eu sou realista, vós sois distraído!” argumentava um; “Mas o que é a redundância senão um temor dos realistas?” dizia o outro; “Vós já o havíeis afirmado a treze de Janeiro…” atirava, novamente, Demiurgo; “Só os realistas vêem o perigo na repetidão, o perigo nas contradições, o perigo nos deslizes, o perigo na doce e desgovernada dialética.” parafreseava, Paulinho Assunção. E arremessava ainda, sublinhando, com Iesus Molerus e o seu famoso Tratado de ir e de voltar, citando a cidade, o ano e, calculem, a página!
Formara-se um círculo em volta deles e se aqueles homens desnudados, há minutos atrás, durante a dança, conferiam ao Aldebarã um ar pitoresco, agora, ali, tentando apartar aqueles dois cavalheiros exaltados, de sexos flácidos, barrigas abundantes, canelas tísicas e rabos chupados, eram dignos de um cenário, verdadeiramente, degradante.
De tamanha decadência, só Eça parecia ter consciência e, gargalhando, como era seu hábito, agarrado à sua elegante barriga peluda, teimava em repetir: Este bar é, mesmo, uma anedota!
E foi depois deste vexame, de ego ferido e envergonhado que Demiurgo regressou a casa de Lunata, procurando nos seus braços o conforto de um porto seguro, buscando no seu aconchego a compreensão dos verdadeiros amigos.
Mas Lunata não estava. E, assustaram-no, no chão, os restos dos seus cabelos de fada. [SBB]
Nota: O Bar Aldebarã é um projecto e ideia única e exclusivamente da autoria e responsabilidade dos escritores Manuel Jorge Marmelo e Paulinho Assunção, sobre o qual eu, com o conhecimento e consentimento dos autores, volta e meia, divago.
Como o esposo que regressa ao lar, cobardemente, depois de se ter perdido de amores, temporariamente, por outra donzela, também ele voltou cabisbaixo, carente e acima de tudo − e isto ele jamais confessará a Lunata − tremendamente humilhado. Ou pelo menos, na sua insegurança de “intruso” no Aldebarã, era assim que ele se sentia.
Todos nós sabemos que bar que é bar tem direito, de vez em quando − e sobretudo por parte dos seus clientes de sexo masculino − a ânimos exaltados, tons de voz elevados, picos de adrenalina, descargas exacerbadas de testosterona… mas o que Demiurgo estava longe de imaginar e, pior, de desejar, é que fosse ele próprio o protagonista da primeira briga no Aldebarã.
Reinava a maior gozação, com José Alencar entretido em danças nativas com a recém chegada Iracema, acompanhados ao batuque por James Joyce e seguidos por todos os ilustres presentes que, despojados de suas roupas − chapéus, paletós, coletes, camisas, calças, ceroulas, sapatos e polainas − se entregavam às maravilhas “orgiásticas” do bailado das virgens de tucumã. A certa altura, aproveitando o momento em que Joyce marcava os compassos apenas com meneios, um tal de Homem dos Limões teve a infeliz − e distraída − ideia de sugerir que se atassem quatro balões às pontas do Aldebarã, de forma a que este pudesse levitar e percorrer, assim, os céus do mundo inteiro. Ora, Demiurgo, um homem de ciência, habituado a unir e desunir moléculas e átomos na exacta proporção de uma precisa receita culinária, obcecado pela exactidão, pelo perfeccionismo, pela lógica e pela razão − e também, diga-se de passagem, um pouco solto pelos suspiros de musas, pelas beberragens artesanais e outras mistelas servidas no Aldebarã − ouve aquilo e…, pois, está claro, deixa sair, mais para si do que para os outros, mas, infortunadamente, em voz alta, a seguinte exclamação: − Homessa, mas não era já o Aldebarã um bar-nave??!
Em maldita a hora o fez! Paulinho Assunção, ali ao lado, ouvindo-o e não perdoando, atira-se a ele de dedo em riste, acusando-o, vejam só, de “realista”! E foi vê-los num duelo de esgrima, desembainhando insultos: “Se eu sou realista, vós sois distraído!” argumentava um; “Mas o que é a redundância senão um temor dos realistas?” dizia o outro; “Vós já o havíeis afirmado a treze de Janeiro…” atirava, novamente, Demiurgo; “Só os realistas vêem o perigo na repetidão, o perigo nas contradições, o perigo nos deslizes, o perigo na doce e desgovernada dialética.” parafreseava, Paulinho Assunção. E arremessava ainda, sublinhando, com Iesus Molerus e o seu famoso Tratado de ir e de voltar, citando a cidade, o ano e, calculem, a página!
Formara-se um círculo em volta deles e se aqueles homens desnudados, há minutos atrás, durante a dança, conferiam ao Aldebarã um ar pitoresco, agora, ali, tentando apartar aqueles dois cavalheiros exaltados, de sexos flácidos, barrigas abundantes, canelas tísicas e rabos chupados, eram dignos de um cenário, verdadeiramente, degradante.
De tamanha decadência, só Eça parecia ter consciência e, gargalhando, como era seu hábito, agarrado à sua elegante barriga peluda, teimava em repetir: Este bar é, mesmo, uma anedota!
E foi depois deste vexame, de ego ferido e envergonhado que Demiurgo regressou a casa de Lunata, procurando nos seus braços o conforto de um porto seguro, buscando no seu aconchego a compreensão dos verdadeiros amigos.
Mas Lunata não estava. E, assustaram-no, no chão, os restos dos seus cabelos de fada. [SBB]
Nota: O Bar Aldebarã é um projecto e ideia única e exclusivamente da autoria e responsabilidade dos escritores Manuel Jorge Marmelo e Paulinho Assunção, sobre o qual eu, com o conhecimento e consentimento dos autores, volta e meia, divago.
quarta-feira, fevereiro 08, 2006
terça-feira, fevereiro 07, 2006
segunda-feira, fevereiro 06, 2006
Na escuridão da sua tristeza
Lunata não quer saber. Não se interessa. Não lhe importa.
Acorda quando o sol se põe para, logo, voltar a adormecer sem o ver nascer. Como uma prisioneira, cortou rentes os seus cabelos de fada. Jamais me voltarão a denunciar! disse, determinada, ao espelho, quando o fez.
E, agora, pobre Lunata!, vive, assim, encarcerada na escuridão da sua tristeza.
Acorda quando o sol se põe para, logo, voltar a adormecer sem o ver nascer. Como uma prisioneira, cortou rentes os seus cabelos de fada. Jamais me voltarão a denunciar! disse, determinada, ao espelho, quando o fez.
E, agora, pobre Lunata!, vive, assim, encarcerada na escuridão da sua tristeza.
domingo, fevereiro 05, 2006
A Foz ao domingo à tarde…
É a menina dos totós, a rapariga e o namorado, a Bolacha Americana, a gorda da coxa grossa. Os dois velhotes bem vestidos, a jovem do collant de renda, a senhora dos tremoços, o rafeiro farfalhudo, o cão de raça pela trela. É a foto de família, o casalinho do filho pequeno, o relato de futebol, o fumo do cigarro. É a moça da saia comprida, a velha que fica a olhar, a neta lambida da velha, o senhor da castanha assada. É o cata-vento que brilha, o menino que faz birra, o pai contrariado, a mãe com ar de má. É o fotógrafo a aguardar o momento, é a rapariga do gelado, a outra dos óculos escuros e o rapaz do blusão à maneira. É a menina dos patins em linha, o senhor da biciclete, o menino do skate, o atleta da corrida. São os carros em fila na marginal, a música alta que toca, é o parolo do cabriolet, o bimbo da lambreta. É a loira das raízes escuras, o puto ranhoso gordo, as velhinhas de braço dado e as meninas do jogging. São os pescadores de cavalas, os cães de raça e os donos, as senhoras perfumadas, os cavalheiros de gel. É a menina dos totós, a rapariga e o namorado, a gorda da coxa grossa e mais bolacha americana…
sábado, fevereiro 04, 2006
sexta-feira, fevereiro 03, 2006
O velho truque
Personagens:
• Simão, 5 anos
• A mãe do Simão
Figurantes:
• Eu
• O Tomás, 8 anos
Cenário:
Num dos sofás da FNAC eu e a minha irmã descansamos, enquanto o Tomás se dirige a um empregado, para esclarecer uma dúvida.
O Simão, com um DVD, tenta a todo o custo convencer a minha irmã a comprar-lho. Depois de várias tentativas de recusa, do género hoje não, para a semana, ou isso é muito caro, a minha irmã tenta o último e derradeiro truque.
Acção:
− Está bem Simão, eu compro, mas deixa cá ver o DVD.
E fazendo um repentino ar de espanto:
− Ó filho, mas isto não é para ti. Isto é para bebés!
Ele reclama, contrariado:
− Não é nada!
− É, Simão, está aqui escrito.
E começa a ler, muito séria, uma série de informações imaginárias:
− Este filme não é aconselhável a maiores de quatro anos. É muito infantil. É recomendado para bebés de colo e, essencialmente, a meninas…
Ele, de olhar céptico, interrompe decidido:
− Não faz mal, mãe, eu quero na mesma!
• Simão, 5 anos
• A mãe do Simão
Figurantes:
• Eu
• O Tomás, 8 anos
Cenário:
Num dos sofás da FNAC eu e a minha irmã descansamos, enquanto o Tomás se dirige a um empregado, para esclarecer uma dúvida.
O Simão, com um DVD, tenta a todo o custo convencer a minha irmã a comprar-lho. Depois de várias tentativas de recusa, do género hoje não, para a semana, ou isso é muito caro, a minha irmã tenta o último e derradeiro truque.
Acção:
− Está bem Simão, eu compro, mas deixa cá ver o DVD.
E fazendo um repentino ar de espanto:
− Ó filho, mas isto não é para ti. Isto é para bebés!
Ele reclama, contrariado:
− Não é nada!
− É, Simão, está aqui escrito.
E começa a ler, muito séria, uma série de informações imaginárias:
− Este filme não é aconselhável a maiores de quatro anos. É muito infantil. É recomendado para bebés de colo e, essencialmente, a meninas…
Ele, de olhar céptico, interrompe decidido:
− Não faz mal, mãe, eu quero na mesma!
Simão, o Intelectual (I)
• Simão, 5 anos (como já toda a gente está farta de saber)
• Eu
Acção:
Simão: − O que eu gostava mesmo de “ler” era aquele teu livro que tens no computador*…
Eu: − Blog. Esse “livro” a que te referes, chama-se blog.
Simão: − Esse mesmo!
* leia-se: internet
Preocupação
substantivo feminino
1. acto ou efeito de preocupar ou de se preocupar;
2. inquietação; cuidado; apreensão;
3. desassossego;
4. ideia fixa;
5. opinião antecipada; prevenção;
(Do lat. praeoccupatióne-, «ocupação prévia»)
In Diciopédia 2005; © 2004 Porto Editora, Lda.
1. acto ou efeito de preocupar ou de se preocupar;
2. inquietação; cuidado; apreensão;
3. desassossego;
4. ideia fixa;
5. opinião antecipada; prevenção;
(Do lat. praeoccupatióne-, «ocupação prévia»)
In Diciopédia 2005; © 2004 Porto Editora, Lda.
quinta-feira, fevereiro 02, 2006
Na cama que havia feito
Lunata acordou mirrada, de olhos fundos e sem esperança, como os de uma velhinha.
Vestiu-se a custo, com dores nos pensamentos e na alma, artroses nas lembranças, reumatismo nos sonhos. Não fez a cama. Os lençóis ficaram, lá, como estavam, esquecidos, desarrumados, engelhados, numa confusão, desconfortável, de pregas e vincos. Embrulhou-se num xaile escuro e sentou-se na velha cadeira de baloiço a olhar pela janela a baça realidade que os seus olhos viam. Uma, duas, … trinta e oito vezes balançou os anos, numa cadencia apática, autista. Levantou-se. E sem ânimo iria [voltar a] deitar-se na cama que [não] havia feito.
Vestiu-se a custo, com dores nos pensamentos e na alma, artroses nas lembranças, reumatismo nos sonhos. Não fez a cama. Os lençóis ficaram, lá, como estavam, esquecidos, desarrumados, engelhados, numa confusão, desconfortável, de pregas e vincos. Embrulhou-se num xaile escuro e sentou-se na velha cadeira de baloiço a olhar pela janela a baça realidade que os seus olhos viam. Uma, duas, … trinta e oito vezes balançou os anos, numa cadencia apática, autista. Levantou-se. E sem ânimo iria [voltar a] deitar-se na cama que [não] havia feito.
Descriminadas
"Sempre que vamos de mãos dadas a uma entrevista, ninguém nos dá emprego", queixam-se Lena e Teresa na televisão.
Pudera, quem é que vai a uma entrevista de emprego de mãos dadas, caraças?!
Pudera, quem é que vai a uma entrevista de emprego de mãos dadas, caraças?!