Quando dou de comer aos patos do Parque da Cidade, uma das minhas predilecções − sim, porque na vida nada é de graça, tudo tem o seu preço ou esforço − é fazê-los esticarem-se, darem balanço, e saltarem para apanharem o pedacinho de pão que seguro apenas a alguns centímetros das suas cabeças, vendo-os invariavelmente após este acto, abanar o rabinho de um lado para o outro, como que para restabelecerem o seu equilíbrio terreno. Outras vezes, divirto-me a fazê-los apanharem no bico, à primeira, como cãezinhos amestrados, o pão que lhes atiro com pontaria, congratulando-os com um entusiasta “Boa!”, sempre que o conseguem fazer.
Desconhecendo esta minha faceta, o Simão, ficou fascinado, um destes dia, intitulando-me: a treinadora de patos.
Querendo imitar-me, resolveu tentar a sua sorte com um jovem cisne cinzento, fazendo-o focar-se no pão que os seus pequenos dedos da mão esquerda seguravam. Acontece que os cisnes, mesmo os jovens, são altos, e ainda mais altos, quando comparados com um miúdo de seis anos. Além disso, são um pouco pitosgas, o que penso dever-se ao seu sistema de visão (*), cuja focagem, imagino, deva consistir na fixação do ponto, alternativamente, com o olho esquerdo e direito, falhando muitas das vezes o alvo. Estes dois ingredientes, acrescidos do atrevimento do animal foram o suficiente para ter sido demasiado longa a investida do bicho e saírem lesados os tenros dedos do Simão.
O susto do miúdo (apesar de o tentar acalmar, garantindo-lhe que os cisnes não têm dentes e que tinha sido apenas a pressão do bico) valeu-me uma escandaleira, em que em altos berros, agarrado à mão, gritava, indicando os animais: − SÃO CARNÍVOROS! ESTES CISNES SÃO CARNÍVOROS! ARRANCARAM-ME A MÃO!!
(*) Pesquisei sobre este tema na net, mas não encontrei nada